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sexta-feira, 22 de agosto de 2008
22 de agosto de 2008
N° 15703 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA
As pequenas coisas da vida
Contei aqui na outra sexta que uma senhora me deteve na rua, sorriu, perguntou como eu ia, indagou de pessoas que me são próximas, e a todas essas eu não fazia a menor idéia de quem ela fosse.
Pois não é que menos de uma semana depois entro num táxi e o motorista, que eu aparentemente nunca tinha visto, me trata pelo nome?
Esse rompe logo o suspense. Esclarece que há uns 30 anos trabalhamos juntos na mesma empresa, eu como escrevinhador, ele como encarregado de conferir as assinaturas de um estranho mecanismo de relógio-ponto, do qual não guardo a menor saudade.
E já que se apresentou, relembra personagens, ressuscita cenas e acontecimentos, com uma capacidade de reinvenção das coisas que me deixa literalmente pasmo.
Gostaria de ter um arquivo assim, ainda mais quando ele desce a detalhes pitorescos dos quais eu já não tinha remota noção.
Ao pagar-lhe a corrida, certamente menos do que lhe fiquei devendo por seu talento para as recordações insólitas ou divertidas, me surpreendo pensando se as pequenas coisas da vida (há um filme com esse nome, se não me falha a desmemória) não serão as mais importantes.
A gente guarda pedaços da caminhada que são os mais decisivos. É capaz de reviver as grandes datas, as grandes conquistas, as grandes paixões, as grandes amizades. Mas tudo isso não será apenas um rio fluindo por entre mínimas ilhas que são realmente as que contam?
Sei que livros escrevi, que cargos ocupei, que prêmios ganhei, o que produzi em determinados pontos de minha trajetória. E contudo o que verdadeiramente marca não serão veredas diversas?
Na época que o motorista recriou, eu era jovem. Pode haver algo de mais fundamental do que isso? Nesse tempo eu ainda sonhava em conhecer Paris, então um sonho distante. Naqueles dias as pessoas não eram tão prisioneiras de dígitos e de teclas.
No tempo de que ele me falou podia-se caminhar pela cidade de madrugada, exilado qualquer temor de um assalto.
Nos dias que ele reviveu, desconheciam-se os seqüestros-relâmpagos, o gigantesco submundo da droga, ou quadrilhas cometendo crimes de dentro de presídios.
O que me dá uma forte desconfiança de que o mundo era melhor.
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