sábado, 16 de agosto de 2008



16 de agosto de 2008
N° 15697 - NILSON SOUZA


A gordinha

A menina de vermelho estava tão linda, que ninguém deve ter se surpreendido quando ela saiu voando como um anjo pelo estádio, na bela festa de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim. Antes de voar, ela cantou – e o som daquela melodiosa voz infantil emocionou o mundo e arrancou lágrimas dos olhos amendoados de milhões de chineses.

Mas aquela Ode à Pátria acabou se revelando uma ode à farsa. A voz da bonequinha não era dela, mas sim de uma gordinha de dentes irregulares que ganhara o concurso promovido pelos organizadores da festa para a escolha da cantora mirim.

Porém, como a vencedora foi considerada feinha pelos selecionadores, a direção do espetáculo optou por colocar apenas a sua voz no sistema de som, exibindo no palco uma graciosa modelo de comerciais de TV, que simulou cantar.

O truque foi assumido pelos organizadores do evento e justificado como uma questão de interesse nacional: “Simplesmente juntamos uma voz perfeita a uma imagem perfeita” – explicou o diretor musical da cerimônia, na sua lógica torta de busca da perfeição pela fraude.

Foi um embuste lamentável. Mas também não dá para condenar tanto os chineses, pois este esporte de enganar o público é praticado em todos os países.

Aquela flecha que acendeu o fogo olímpico nos Jogos de Barcelona também passou muito longe do alvo, mas aos olhos dos espectadores pareceu um tiro certeiro.

O que me parece mais condenável da farsa chinesa é o constrangimento imposto à outra menina, o patinho feio desta história real.

Rotular uma criança de feia é quase um crime, pois pode gerar um trauma irreparável. Por isso, fiquei curioso em saber como reagiria a pequena cantora ao se dar conta de que, mesmo tendo uma voz especial, fora tirada da vitrine por sua aparência.

Isso, claro, na visão dos senhores da festa, pois as fotos divulgadas pela imprensa revelam uma garotinha de sete anos absolutamente normal, bonita até.

Ao conhecer sua opinião sobre a polêmica (se é verdade que a declaração é sua, pois agora a gente tem que duvidar de tudo), passei a achá-la ainda mais bela: “Fico orgulhosa de ao menos ter sido escolhida para cantar”.

Abençoada criança.

Na sua sinceridade ingênua, expõe ao mundo uma esquecida verdade em tempos de supervalorização das aparências: a beleza encanta, mas é sempre efêmera e enganosa; já a verdade, que às vezes até assusta, é eterna.

Nenhum comentário: