terça-feira, 19 de agosto de 2008


Jânio de Freitas - Folha de S. Paulo - 19/8/2008

Pequenas originalidades

Entrevero no Rio entre Cabral e general tem originalidade, pois a regra dos governantes é criticar militares em surdina

SORRIA : você hoje está entrando no período de campanha eleitoral gratuita. Não é todo ano que os políticos, reais ou ainda imaginários, nos dão a oportunidade de ver o que têm feito de nossas cidades o que elas são. Sorria, porque a alternativa pode ser chorar.

Com alma leve de quem traz sorrisos, não lhe custará ser compreensivo com os militares que exterminaram os preparativos de guerrilha no Araguaia e, agora, pedem que suas seqüelas psicológicas sejam indenizadas em R$ 300 milhões. Decepar cabeças de prisioneiros, desestruturar pessoas mentalmente, mutilar em tortura, esquartejar para enterrar as partes em lugares diferentes não dispensaria de seqüelas mentais.

Se bem que por aí haja má vontade bastante para considerar que quem ordenou e quem aceitou executar tais atos era portador de demência criminosa já antes dos seus feitos no Araguaia, não sendo hoje o caso de seqüelas.

Seqüela que se comprova nos últimos dias, contrapondo um general e um governador, vem dos acontecimentos no morro da Providência. Não por causa do envolvimento de militares também na tortura e assassinato de três rapazes.

O governador Sérgio Cabral faz e reitera a acusação ao comandante militar do Leste, general Luiz Cesário Filho, de "não ser pró-ativo", o que parece acusá-lo de se lixar para pedidos de ação na segurança.

Ao que o general contesta, com uma lista de colaborações variadas.
O entrevero tem certa originalidade, porque a regra dos governantes em geral é criticar militares em surdina. Não há, porém, o risco de problema sério, idéia que logo projetou preocupações nos paisanos sensíveis.

O caso é que o general Cesário se mostrou muito pró-ativo com o candidato Marcelo Crivella, cedendo soldados para colaborar com suas obrinhas eleitorais no morro da Providência. E o candidato de Sérgio Cabral chama-se Eduardo Paes. Esse entrevero, portanto, não tem futuro pró-ativo.

Outro entrevero, este na Comissão de Infra-Estrutura do Senado, em torno da nomeação de Emília Ribeiro para a Agência Nacional de Telecomunicações tem mais um capítulo previsto para amanhã. Com a delicadeza de evitar vetá-la, o relator Sérgio Guerra considerou-a, no entanto, desprovida da capacitação técnica específica que é exigida para o cargo.

Emília Ribeiro exerceu assessoria no Senado, no Ministério da Educação e, consta, com êxito que a faz bastante apoiada para a sabatina na comissão: o argumento, nesse sentido, é que não tardará a aprender o necessário na própria Anatel. É provável.

Ainda assim, não há como os senadores expliquem uma questão remanescente e silenciada. Todos sabem, no Senado e fora dele, por escrito e em oral, que a candidata foi escolhida para encerrar o impasse na direção da Anatel, onde dois votos a favor e dois contrários emperram as alterações da legislação para a compra, ainda ilegal, da Brasil Telecom pela Oi/Telemar -a transação imoral, entre interesse privado e governo, que adapta a lei ao negócio e não o negócio à lei.

Se a candidata, ou seja quem for, vai para a Anatel com a função predeterminada de dar um voto sem independência, já comprometido com um grande negócio que a legislação vigente proíbe e que beneficia um pequeno grupo de empresários, pergunta-se: não está aí caracterizada a falta de probidade que impede a nomeação para cargo público?

Uma solução para o problema: já que se trata de mudar a legislação para favorecer negócios privados, mudem também, governo e congressistas, o impedimento de tais nomeações.

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