terça-feira, 19 de agosto de 2008



O BAIANO WIM WENDERS

O cara é engraçado. Lembra, com seus cabelos compridos e sua maneira de vestir – como se estivesse de fraque ou coberto com uma casca de milho –, o nosso Visconde de Sabugosa. Quando eu o entrevistei em Berlim, há alguns anos, não tinha notado essa semelhança. Uma pena. Teria gostado ainda mais dele desde aquela época. Wim Wenders mostrou-se, em Porto Alegre, um sujeito divertido e acessível.

Num coquetel, domingo à noite, no restaurante Chez Philippe, para a nata intelectual e midiática gaúcha, revelou algo que nem se sabia da existência: o humor alemão. Contou, por exemplo, que, menino, colecionava imagens de Brasília. Isso mesmo. Sonhava em ser arquiteto e apaixonou-se pela cidade construída no meio do nada.

Na primeira vez que visitou a nova capital brasileira, decepcionou-se. Tudo lhe pareceu engessado e cerebral. Na segunda vez, caiu de quatro. Um alemão que cresce colecionando figurinhas de Brasília só pode ser diferente.

Na verdade, Wim Wenders é um baiano disfarçado de alemão. Já esteve muitas vezes em Salvador. Entende mais de candomblé do que muito brasileiro. Parece que sabe até o que é que a baiana tem. Se sabe mesmo, não contou. Estava acompanhado pela mulher.

Convidado do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, promovido pela Braskem, Wim Wenders não bancou o David Lynch nem o pastor alemão. Nada de pensamento positivo nem de meditação transcendental. Pensamento crítico. Foi um show de bola. Entraria como uma luva no time do Inter.

Pega mais do que o Clemer, não fura em bola, distribui o jogo e troca passes. Não escapou, porém, da nossa vontade geral de explicar-lhe um trocadilho infame: Wim Wenders e aprendendo. Ninguém conseguiu. Mesmo assim, ele riu bastante. Certamente das nossas tentativas.

Na Faculdade de Comunicação da PUCRS, Wim Wenders bateu um papo legal com os estudantes de cinema. Queria mais. Falou de sua vida de estudante e de professor.

Defendeu o cinema que se faz com idéias e criatividade, mesmo com baixo orçamento, contrariando o dogma do dinheiro como valor estético supremo. Ironizou os norte-americanos que se acham melhores em tudo, melhores diretores, montadores, escritores.

Devemos ter piedade dessa prepotência toda. Com simplicidade e alegria, Wim Wenders indicou que a arte pode e deve ser mais forte do que a vontade ganhar dinheiro.

Nos Estados Unidos, alfinetou, quase se prescinde do criador. Quem manda é produto. Quanto mais dinheiro, menos liberdade para criar e dizer o que se pensa. Terrível paradoxo da sociedade do espetáculo. Os meios aniquilam os fins.

Wim Wenders citou filmes de Glauber Rocha para mostrar que o cinema brasileiro não lhe é estranho. Mas não ficou no velho Cinema Novo. Revelou sua amizade com Walter Moreira Salles. Em pouco tempo, deu uma bela aula. Deu para entender que a arte para ele não é uma pizza que se entrega pronta a qualquer hora do dia.

Artista é aquele que não se contenta em satisfazer o gosto do freguês. Ele mesmo não ama os seus filmes pelo sucesso que fazem, preferindo alguns que tiveram menos repercussão. Foi muita boa a passagem de Wenders em Porto Alegre. Antes de tudo porque ele nos fez esquecer David Lynch.

Aliás, quando lhe disseram que Lynch estivera por aqui na semana anterior, ele sorriu e brincou: 'Aposto que ele falou de meditação transcendental'. Não chegava a ser uma maledicência. Apenas um comentário de quem conhece o pessoal do seu campo.

juremir@correiodopovo.com.br

Embora com chuva, que tenhamos todos uma excelente terça-feira.

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