terça-feira, 19 de agosto de 2008



19 de agosto de 2008
N° 15700 - PAULO SANT’ANA


Numa fração de segundo

Foi verdadeiramente decepcionante ver o pranto do judoca brasileiro Eduardo Santos por ter perdido sua luta, depois de tê-la empatado no tempo normal e a arbitragem conceder a vitória ao adversário.

Tanto ele quanto o ginasta brasileiro Diego Hypolito debulharam-se em lágrimas após suas desclassificações.

Diego Hypolito era o favorito brasileiro mais expressivo para conquistar uma medalha de ouro.

No entanto, no momento de sua apresentação em ginástica de solo, caiu sentado no tablado do National Indoor Stadium, exatamente no último movimento da última diagonal.

Ele deixou o tablado chorando e sem fazer a posição de encerramento. Terminou em sexto lugar e falou banhado em lágrimas: “Quero pedir desculpas ao povo brasileiro”.

Diego Hypolito ainda disse: “Estava tudo indo muito bem. Com certeza, se tivesse dado tudo certo, eu teria ganho uma medalha, já que, mesmo errando, tive nota 15.200, que não é tão baixa assim. Não acreditei que estava ali no chão, caído”.

O treinador de Diego comentou desolado: “Ele deve ter tentado cravar e, numa fração de segundo, caiu. Ele repetiu umas 15 vezes ‘Não acredito’. Preferi deixá-lo sozinho, inicialmente, porque era um momento só dele. Depois, disse a ele que o mundo havia caído sobre nós, mas que a vida continua”.

A mesma coisa aconteceu ontem com um atleta chinês que se preparava para dar a partida na corrida de 400 metros com barreiras: o chinês, um dos grandes favoritos da Olimpíada, verdadeira sensação dos jogos, começou a sentir dores exatamente na hora da prova.

Era de ver-se a sua aflição. Queimaram a largada e ele correu os poucos metros mancando. Nem esperou a segunda largada, afastou-se e mergulhou numa profunda desolação, abandonando a prova.

O estádio foi esvaziando, o público decepcionou-se de tal sorte, que abandonou as arquibancadas, sem esperar o desfecho.

Na entrevista coletiva, o treinador do infeliz chinês tapava o rosto com os dedos, tentando esconder a profunda dor. A seguir, parou a entrevista e desceu para os vestiários como um farrapo humano.

Nunca tinha me ocorrido que as Olimpíadas, além de uma ocasião para festas, confraternização, alegria eufórica dos vitoriosos, eram também um vale de lágrimas, uma oportunidade para profundos sofrimentos, quatro anos inteiros de planejamento, treinos exaustivos, esperanças, tudo isso caindo por terra numa fração de segundos.

“O mundo caiu sobre nós”, disse o treinador de Diego Hypolito, e pensou também o treinador do chinês infelicitado pela lesão que abalou bilhões de chineses quando ele abandonou a prova.

Como as medalhas são poucas e milhares são os competidores que não alcançam o pódio, ocorre-me também que a tristeza é infinitamente maior que a alegria numa Olimpíada.

Tanta é a decepção, tanto o desconsolo, tanto o remorso dos atletas que caem nos braços da tragédia em provas que muitas vezes não permitem brutalmente uma segunda chance, que fico apiedado dos saltadores, dos corredores, dos nadadores, dos ginastas que voltam da China tatuados toda a vida pela derrota, cujas cicatrizes dolorosas vão lhes acompanhar por toda a vida.

Por trás daquelas luzes, daquele aparato festivo dos jogos, decorrem centenas de tragédias pessoais, marcadas pela dor e pelas lágrimas.

As Olimpíadas são como a vida, penso eu, há êxitos e fracassos. Mas a vida é mais compreensiva com os viventes que as Olimpíadas com os atletas.

Pelo menos a vida concede muitas vezes uma segunda chance. Na Olimpíada, não. Tudo desaba numa fração de segundo.

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