terça-feira, 26 de agosto de 2008



A cultura de um povo
FERNANDO L. NAVARRO

Quem a lei deve proteger: o vizinho que paga impostos ou os imigrantes ilegais que estavam invadindo a casa de outro cidadão para furtar?

É INTERESSANTE notar como a cultura de um povo pode variar de um país para o outro.

No EUA, aconteceu recentemente um caso interessante e trágico relacionado a um senhor, aposentado, 62 anos. Ele estava em sua casa quando percebeu, em plena luz do dia, dois indivíduos invadindo pela janela a residência ao lado da sua.

Apanhou sua escopeta, ligou para 911 -telefone da Polícia- e descreveu o ocorrido, perguntando em seguida se o oficial gostaria que ele intercedesse para deter os meliantes. O policial disse que nenhuma posse material valeria o sacrifício de uma vida humana.

Por alguns minutos, o vizinho espectador e o oficial conversaram, o primeiro avisando que iria interceder, o segundo tentando dissuadi-lo.

De repente, o vizinho percebeu que os dois criminosos estavam pulando a janela para sair da casa com o objeto do furto. Engatilhou sua escopeta e disse para o oficial: "Estou saindo". O vizinho armado saiu de casa e se deparou com os dois bandidos.

O que ele fez? Acreditem ou não, ele disse simplesmente: "Freeze, you are dead!" ("Parados, vocês estão mortos!"). Em seguida, disparou três vezes a escopeta calibre 12, atingindo e matando os dois criminosos ali mesmo, na frente de sua casa.

Isso não é ficção, é fato verídico. Os dois delinqüentes eram negros, desempregados e imigrantes colombianos ilegais, um deles com condenação por tráfico de drogas.
Diante desse breve relato, pergunto: trata-se de assassinato? Trata-se de legítima defesa?

O vizinho é criminoso? Considerando essa situação específica, quem a lei deve proteger, o vizinho que paga impostos, trabalhou para construir seu patrimônio e educar seus filhos; ou os imigrantes ilegais, com passagem pela polícia e que estavam invadindo a casa de um outro cidadão para furtar?

Recentemente, mais um capítulo desse caso -ocorrido no ano passado, em Pasadena, Texas- surgiu na mídia: o vizinho foi denunciado pelo crime de assassinato, mas o júri decidiu inocentá-lo pelos disparos.

Notem: a decisão judicial foi dada por um júri, composto por pessoas comuns do povo, o que levanta a hipótese de que, para os americanos do Estado do Texas, a questão talvez não seja tão complexa. No Brasil, seria uma questão simples de ser decidida?

Primeiramente, seria difícil verificar uma situação como essa no Brasil devido a diversos fatores, entre os quais a burocracia para um cidadão honesto obter uma arma de fogo.

Digo e friso "honesto" porque, para criminosos, a burocracia é inexistente. Além disso, por lei, é vedado a um brasileiro ter escopeta em casa. Perdoem-me, brasileiros honestos, porque criminosos brasileiros têm muito mais que escopeta à disposição.

Também tenho lá minhas dúvidas se um brasileiro se importaria com a casa do vizinho sendo furtada. Na verdade, até se importaria, mas... interceder para frustrar um furto!?

E o medo de se envolver com os bandidos, de ter que ir até a delegacia? E se esses bandidos tivessem ligação com alguém na Polícia, no narcotráfico, na política?

Além disso, como pegar os bandidos de surpresa quando saíssem pela janela se é necessário, primeiro, deixar nossa própria casa pela porta reforçada da sala ou da cozinha, superar mais algumas grades e muros de proteção -que existem nos lares brasileiros honestos- para chegar finalmente à rua e, só então, tentar surpreender os criminosos? Eles já estariam longe, a essa altura.

Mais ainda, após o Ministério Público no Brasil oferecer denúncia contra o cidadão honesto -e acho difícil eles deixarem de fazê-lo nessa situação-, o leitor já imaginou quanto tempo e dinheiro seria necessário gastar para chegar ao fim desse pesadelo judicial?

Sendo não menos certo que, ao final, ainda pode vir a condenação pela morte dos criminosos.

E os anos seguintes desse cidadão na prisão cumprindo pena? E, nesse caso, tenho quase certeza de que ele cumprirá pena, porque a Polícia conseguirá encontrar um cidadão honesto, com CPF válido, extensa folha de tributos recolhidos, com endereço fixo e automóvel em nome próprio.

Bem, caros leitores, após esses argumentos, já lhes digo: eu seria o primeiro da fila a não agir no Brasil como o vizinho texano.

Agora, voltando à afirmação inicial relacionada à cultura de um povo, questiono: a cultura americana é melhor que a nossa nesse ponto ou a nossa cultura é a mais acertada e, também, a mais humana?

Se você optou pela segunda resposta, ela é mais acertada e mais humana com relação a quem: cidadãos honestos, criminosos ou ambos?

FERNANDO L. NAVARRO , 31, é advogado, especialista em direito tributário e em direito público e privado e mora nos Estados Unidos.

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