sexta-feira, 29 de agosto de 2008



29 de agosto de 2008
N° 15710 - JOSÉ PEDRO GOULART


Roberto e Caetano

Desde que fiquei sabendo que Roberto Carlos e Caetano Veloso fariam show cantando Tom Jobim, me mobilizei. Aliás, mobilizei o Vitor Knijnik, meu amigão em São Paulo.

E o Vitor não falhou – conseguiu através de uma espécie de “não tenho a mínima idéia como” adquirir os ingressos mais impossíveis do ano. De modo que subi no avião e me bandeei para SP, levando na alma a pressa e a alegria de um Usain Bolt, cruzando a linha dos cem metros dos meus olhos rasos.

O Auditório Ibirapuera (projeto do Niemeyer) espera a todos com um linguão de fora e uma bocarra aberta. Mas lá dentro, no saguão, onde aguardo ladeado por metade do PIB de São Paulo, tudo é claro, asséptico. Parece um banco. Não se fuma. Não se bebe. Imagino o desconforto do Tom Jobim se estivesse aqui.

Depois de uma hora de atraso, o show. Há no ar uma certa emoção presumível, ou melhor, desejada. As cortinas se abrem ritualísticas, vagarosas – lado a lado aparecem Caetano e Roberto, atrás deles uma imensa efígie do Tom.

O Tom do Vinicius, como ele dizia. O Tom da bossa nova, a música brasileira for export – fossem de música as Olimpíadas, a gente estaria no topo.

Pausa para duas reflexões. A primeira diz respeito a Caetano Veloso. Nutro por ele uma admiração que guardo para poucos: Caetano é um dos maiores do mundo, na estatura de um Lennon, de um Dylan.

Embora a música brasileira seja valorizada lá fora, o fato de Caetano cantar em português subtrai um pouco o reconhecimento a ele devido.

E sobre Roberto: ninguém é rei por acaso. Mas ser rei é viver na renúncia. RC sabe disso. Dá pouquíssimas entrevistas, não faz propaganda, não engorda, não emagrece, não chora, não se gasta. Roberto não abre mão da coroa por nada.

Razão pela qual vemos um Caetano humilde e um Roberto majestoso. Caetano está ali para receber o espírito do Tom Jobim, para se desprender de si, para se transmutar; e isso com aquele precioso coração que a dona Canô um dia gerou.

Mas há um porém, um obstáculo. E esse obstáculo se chama Roberto Carlos. Não que não seja bonito se ver e ouvir RC cantar o Tom, claro que é; aquela voz, aquele carisma têm poderes intraduzíveis.

Acontece que Roberto em nenhum momento desce do pedestal. Em nenhum momento se ajoelha diante do sublime à espreita; e com isso também impede que Caetano (por consideração?) o faça. Roberto esqueceu do Tom.

Ele que toca em ginásios, navios, especiais de TV, preferiu flertar com aquela rara platéia refinada, estranha à musica que ele produz agora e que o considera mais pela mística do que por outra coisa. Roberto insiste em ser rei, e como tal se desumaniza cada vez mais.

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