sexta-feira, 22 de agosto de 2008



22 de agosto de 2008
N° 15703 - DAVID COIMBRA


A solução do Brasil

As meninas do futebol (na foto, com as medalhas de prata) se queixam da falta de investimentos dos empresários do Brasil na modalidade e bibibi. Queriam que os donos de grandes empresas patrocinassem o futebol das mulheres.

Ingenuidade delas. Mesmo que os empresários investissem no futebol feminino, mesmo que o futebol feminino tivesse uma súbita injeção de dinheiro, tal não passaria de um surto.

Ninguém, no Brasil, torce para um banco ou uma fábrica de mortadela. No Brasil, o torcedor nem gosta muito de futebol; gosta é dos clubes.

Os 13 clubes brasileiros de maiores torcidas é que teriam de ser incentivados a adotar o futebol feminino, o basquete, o atletismo. Incentivados com dinheiro, evidentemente.

Cada país tem de respeitar suas idiossincrasias. Os Estados Unidos formaram uma rede escolar e universitária que descobre talentos esportivos e os promove. Na China, o Estado planeja e desenvolve o esporte.

O Brasil tem a força poderosa dos clubes de futebol, entidades centenárias, ou quase, profundamente vinculadas às comunidades. O prestígio e a tradição dos clubes, se bem aproveitados, podem transformar o esporte no país.

Gre-Nal oriental

Nesta quinta-feira vi, pela primeira vez, a torcida chinesa vaiar uma equipe de outro país.

As meninas do futebol da Alemanha e do Japão decidiam a medalha de bronze. A torcida foi maciça para as alemãs, claro – a velha rivalidade de séculos... Chineses e japoneses é pior do que gremistas e colorados, se você não sabe.

Durante o primeiro tempo do jogo, os chineses contentaram-se em incentivar os alemães com o seu tradicional jia you, mas no segundo tempo se soltaram: apuparam as japonesas (foto) com vontade cada vez que elas iam ao ataque. As alemãs venceram por 2 a 0, para gáudio da torcida, que festejou como se fosse uma vitória da China.

Tudo bem, tudo normal, até que, terminada a partida, ocorreu algo inesperado. Enquanto as alemãs festejavam, o técnico das japonesas as reuniu no grande círculo.

Formaram uma rodinha e conversaram por alguns minutos. De lá, saíram para as bordas do campo. Pararam na linha lateral, em frente à torcida, e fizeram uma reverência. Os torcedores, talvez perplexos, aplaudiram.

As japonesas então caminharam lentamente para o outro lado do campo, postaram-se de novo uma ao lado da outra e curvaram-se para a torcida. Fizeram isso em todos os lados do gramado, seis vezes, e seis vezes foram aplaudidas.

De alguma forma, uma vitória do Japão.

O poeta

O meia Anderson (foto), que com Dunga joga lá nas últimas instâncias do meio-campo, de terceiro volante, é chamado no ambiente da seleção de “poeta”.

Porque suas declarações são sempre, no mínimo, polêmicas. Na véspera do jogo contra a Argentina, os assessores da seleção tiveram o cuidado de não incluí-lo entre os jogadores que concederiam entrevista coletiva. Todos podiam falar, menos Anderson.

– Vai que ele provoca os argentinos, diz uma besteira... – especulou o assessor Rodrigo Paiva.

Às vezes, nem toda a cautela do mundo é capaz de impedir um time melhor do que o outro de ganhar o jogo.

Desperdício

Aliás, é um desperdício confinar o Anderson a esta posição defensiva. Exatamente por causa da ousadia dele, exatamente por ele ser “poeta”, Anderson tem que jogar perto da área do inimigo, não em frente a sua própria área.

Anderson tem arrojo suficiente para jogar como joga um Messi, investindo contra os adversários, rompendo área adentro. A ousadia do talento precisa ser cultivada, não reprimida.

Um pedido esquisito

Caminhava tranqüilo como um Phelps à frente da minha mochila pelas ruas da velha Ta-tu, séculos atrás promovida a Pequim, a Capital do Norte, quando uma chinesa de óculos e roupa azul de voluntária da Olimpíada disse esquiusime e me parou.

Ué? Chineses não são de parar gente nas ruas. Ela parecia envergonhada, mas ainda assim falou o que queria.

Pediu para tirar uma foto minha. Não comigo: de mim. Aceitei, que fazer? Ergui o dedão em sinal de positivo e ela clicou. Agradeceu e foi-se, contente por ter capturado mais uma imagem exótica deste período tão agitado de Pequim.

Nós ocidentais comedores de queijo devemos ser muito estranhos mesmo.

A saudade do poeta

Li Po era um poeta do começo do século 8 que amava o vinho e as belas mulheres – devia ser boa gente, como todos os que amam o vinho e as belas mulheres.

Certo dia, surgiu-lhe uma mulher que era mais bela do que as outras, mais encantadora, mais charmosa, e Li casou-se com ela. Por algum tempo, viveram no idílio, mas Li ganhava pouco e, como se sabe, as mulheres são muito suscetíveis às pendências práticas da vida, sobretudo depois de procriarem, que foi o caso.

A mulher de Li, pouco se importando com os versos perfeitos com os quais o poeta a homenageava ou com as pétalas da paixão com as quais ele a cobria, foi-se e levou-lhe o filhinho. Li ficou doente de saudade e, para esvair sua dor através das palavras, descreveu-a desta forma:

Quando estavas aqui, minha bela, eu enchia a casa de flores. Agora que te foste só me resta um leito vazio.

A colcha bordada dobrada está; não me vem o sono. Três anos já te foste. Ainda me persegue o perfume que de ti emanava.

Tonteia-me sempre esse perfume, mas onde estás, amada?

Suspiro – as folhas amarelecidas caem dos ramos. Choro – o orvalho cintila no verde musgo.

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