terça-feira, 19 de agosto de 2008



19 de agosto de 2008
N° 15700 - MOACYR SCLIAR


O crime ficou sério

Nunca fui assaltado. É uma confissão que faço com certo constrangimento, num país em que as pessoas constantemente estão falando dos assaltos de que foram vítimas, às vezes em circunstâncias aterrorizantes.

Disso a sorte me poupou, mas não do roubo comum, o roubo do rádio do carro e do próprio carro, sem falar em outros tipos de roubos. Uma vez, no Rio, eu estava na parada de ônibus quando notei, a meu lado, dois rapazes, magrinhos, de aparência humilde.

Nervosos, agitados, era evidente que estavam aprontando alguma. Dito e feito: quando chegou o ônibus, um deles subiu na minha frente, mas de repente deu meia-volta, como se tivesse mudado de idéia, com isto embaraçando meus movimentos.

Uma encenação tão mal feita, que de imediato levei a mão ao bolso onde estava o dinheiro – e ali já estava a mão do parceiro, que teve de retirá-la constrangido. Era um fracasso, mas um fracasso tão canhestro, tão ridículo, que os dois começaram a rir – e eu também.

Os dois rapazes estavam tentando imitar os famosos meliantes do passado, os batedores de carteira que revelavam, no seu ofício, uma habilidade de dar inveja a qualquer cirurgião. Muitos ladrões ficaram famosos, como o paulista Meneghetti, que, de pés descalços, corria pelos telhados com uma incrível desenvoltura.

Roubar, então, era uma arte, e uma arte amável; a vítima jamais era incomodada. Este trauma que às vezes persiste por meses, ou anos, não existia. Mas o crime ficou violento. Violento e organizado. Basta a gente olhar estas ordens dos comandos criminosos que circulam pelos presídios.

Tirando o português deficiente, poderiam ser uma instrução de serviço em qualquer grande organização. Os líderes do crime organizado são gente séria, não brincam em serviço. E isto, por incrível que pareça, reflete uma mudança no país como um todo.

Não foi o presidente De Gaulle quem disse que o país não era um país sério; foi um embaixador brasileiro, mas ele evidentemente estava refletindo uma concepção comum, segundo a qual a vocação do país limitava-se ao Carnaval e ao futebol.

Não mais. É só andar pelas ruas das cidades brasileiras para constatá-lo: o que a gente vê são fisionomias sérias, fechadas. Sorrisos, só nas fotos dos candidatos. Mas é sorriso, não gargalhada. Não sou mal-humorado, mas sou sério, dizem-nos aqueles que pretendem um cargo eletivo.

Ou seja, o pêndulo oscilou para o lado oposto: da gandaia para a seriedade completa, compulsiva. Que o crime organizado tenha entrado na política, como se constatou há pouco tempo no Rio, é apenas uma faceta desse fenômeno.

A situação é muito mais complexa, portanto, do que uma simples briga de mocinhos contra bandidos. Entender esta conjuntura e agir de acordo é absolutamente fundamental para o futuro do Brasil.

A Olimpíada vai deixar um nome que condiciona destino. O coordenador da equipe portuguesa de ciclismo queixou-se muito da poluição em Pequim. Agora, sabem qual o nome dele? José Poeira. O José sabe do que está falando.

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