domingo, 31 de agosto de 2008



31 de agosto de 2008
N° 15712 - MOACYR SCLIAR


A síndrome de carência dos refletores

Na noite de domingo, 30 de dezembro de 2007, o Fantástico foi ao ar sem a presença de Glória Maria. Depois de 10 anos na função, a apresentadora estava deixando o programa.

Nada de mais nisso, alguém dirá. Afinal, a carreira de artistas, de pessoas que, de maneira geral, trabalham para o público, é mais irregular que a Bolsa de Valores: por motivos muitas vezes imponderáveis está sujeita a acidentes, a percalços, a contrariedades, a tudo àquilo que Shakespeare denomina, em Hamlet, Slings and Arrows of Outrageous Fortune, os dardos e flechas de ultrajante destino.

Dardos e flechas que unem o insulto à injúria, ferindo as pessoas naquilo que elas têm de mais sensível, a auto-estima. As pessoas caem em desgraça; e, caindo em desgraça, a primeira coisa que lhes acontece, obviamente, é perder a graça, o rebolado. Aí as reações variam.

Existem aqueles que, como diz a gíria, caem matando, disparando para todos os lados, falando mal de todo o mundo, ameaçando com escândalos e denúncias. E existem aqueles que procuram manter a dignidade, sair de cabeça erguida.

Há uma fórmula para isto, e Glória Maria a usou: é o sabático, um período destinado a projetos pessoais. O sabático (o nome lembra o dia em que Deus descansou, após a dura tarefa da criação) pode ser passado numa casa de campo.

Zé Rodrix e Tavito, na interpretação de Elis: “Eu quero uma casa no campo/ onde eu possa ficar no tamanho da paz/ eu quero o silêncio das línguas cansadas/ eu quero plantar e colher com a mão/ a pimenta e o sal.” Tirando esta estranha possibilidade de plantar sal, parece um sonho comum a muitas pessoas. Mas será sincero este sonho?

Uma casa no campo, ou no litoral, ou mesmo no Exterior, significa afastar-se daquele torvelinho que é a vida de uma pessoa pública. No caso de artistas e apresentadores de tevê, significa afastar-se dos refletores. Significa mergulhar na penumbra. E isto tem efeitos. Podemos falar até de uma síndrome de carência dos refletores. Aquela luz brilhante e poderosa, aquele agradável calorzinho simplesmente somem.

Há uma parte da pessoa que sente disso muito falta: é o ego. O ego vive das luzes dos refletores, dos flashes das máquinas fotográficas, mesmo precárias; o ego é fotossensível e fotodependendente. Uma situação análoga àquela que ocorre na seasonal affective disorder, desordem sazonal afetiva, conhecida pelo muito significativo acrônimo de SAD, triste.

São pessoas que, no gélido e escuro inverno nórdico, ficam deprimidas, porque a falta de luz faz com que o organismo não produza substâncias anti-depressivas. Para essas pessoas, o banho de luz é revigorante. Mas para os artistas e apresentadores que perderam o seu lugar só servem os refletores autênticos, não os domésticos.

E o que fazem as pessoas que, deixando a vida pública, caem no limbo? As opções são várias. Escrever um livro é uma solução muito procurada.

Não é só a possibilidade de contar tudo, de botar os podres para fora, coisa que certamente incomoda os desafetos; é também o livro em si. O livro é um empreendimento sério, respeitável, de longo prazo, que necessariamente significa recolhimento, reflexão, auto-avaliação.

Como mostra a entrevista da Mariana Kalil, Glória Maria enfrentou com bravura a síndrome de carência dos refletores. Agora ela pode nos ensinar muito sobre isso. E agora podemos entender por que, durante 10 anos, o Brasil a acompanhou fascinado.

Agradeço às amáveis mensagens de Américo Piovesan, José Celso, Dr. Mário Wagner, Carlos Ferrarini, Jônatas S.de Abreu, Priscila Ploia, Zoé Benetti, Dr. Telmo Kiguel e Sociedade Brasileira de Psiquiatria.

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