segunda-feira, 18 de agosto de 2008


MOACYR SCLIAR

Paixão olímpica

A janela ficava a uns quatro ou cinco metros; longe do chão, portanto -mas não para um atleta de salto de vara

É interessante observar o comportamento da população em relação à paixão olímpica. Folha Online

PAULINHO TINHA dois sonhos na vida. O primeiro, que vinha desde a infância, era conquistar uma medalha de ouro na Olimpíada. Paulinho era atleta, ou pelo menos assim se considerava.

Sua modalidade: o salto com vara. Modalidade relativamente pouco praticada, o que implicava algumas dificuldades: o único lugar em que conseguia praticar era uma cancha, não muito boa, e situada longe de sua casa. Mas isso, para o jovem, não chegava a ser obstáculo.

Sempre que podia, ia treinar. Ele e o Fernando. Fernando era amigo de Paulinho e seu rival. Também ele praticava o salto com vara. Também ele queria ganhar uma medalha de ouro na Olimpíada. E Fernando era melhor que Paulinho.

Quanto a isso não havia dúvida: por melhor que fosse o salto de Paulinho, ele conseguia superá-lo em alguns centímetros, às vezes em muitos centímetros. O que era uma frustração. O outro sonho era conquistar a Sandra. Sandra era a vizinha de Paulinho, uma garota linda, simpática, inteligente.

Às vezes conversavam, e Paulinho tinha a impressão de que sua paixão era correspondida, mas, tímido, não ousava cortejar a garota. Só falou dela a uma pessoa, a Fernando. E foi um erro. Porque Fernando começou a se interessar por Sandra e logo ficou claro que estava no páreo.

Havia um outro obstáculo, muito pior: o pai de Sandra. Homem severo, irascível, ele não gostava de Paulinho que, aos 22 anos, não estudava, tinha um emprego humilde e que, portanto, estava longe de ser um bom partido para a filha.

Proibiu-a de vê-lo. E a Paulinho, que de vez em quando aparecia no apartamento da família, advertiu: não queria mais vê-lo no prédio. Nem perto. E assim, Paulinho só podia olhar a amada de longe. O que era insuportável. Precisava aproximar-se, falar com ela.

O apartamento ficava no primeiro andar de um edifício situado ao lado de um terreno baldio, onde em breve seria também construído um prédio. Para esse terreno abria-se a ampla janela do quarto de Sandra. E isto inspirou a Paulinho uma idéia que, de início pareceu-lhe maluca, mas logo o fascinou.

A janela ficava a uns quatro ou cinco metros de altura. Longe do chão, portanto -mas não para um atleta de salto de vara. Ele podia aproveitar o terreno baldio, saltar pela janela e aterrissar justo diante da amada. Com o que o pai dela teria uma prova de seu amor.

E mais, bem divulgado, o fato poderia render-lhe um lugar na próxima Olimpíada. Tudo poderia ter dado certo, se ele não tivesse cometido um erro. Falou ao Fernando sobre seu plano.

Tão logo o fez, deu-se conta da bobagem. Mas já era tarde. E ele desistiu do salto de sua vida. Porque tem certeza que, quando saltar e penetrar pela janela, encontrará no quarto ninguém menos que o triunfante, sorridente, e maldito Fernando.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

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