sábado, 16 de agosto de 2008



17 de agosto de 2008
N° 15698 - DAVID COIMBRA


Como falar em mandarim

O negócio aqui na China é dizer ni hao. Se você souber dizer ni hao estará tudo legal, com o perdão da rima. Ni hao em mandarim é uma saudação. Olá, oi, essas coisas. Falamos ni hao o tempo todo, até porque é muito difícil balbuciar outras palavras em chinês.

A pronúncia é toda enviesada. Eu mesmo, só agora, duas semanas depois de ter chegado, aprendi um outro truque: sei dizer bom-dia. Assim: você olha para um chinês de manhã cedo e manda:

– Tsassarróu! Funciona, juro. Eles sorriem, faceiros porque um laowai está se esforçando para se comunicar com eles, e devolvem:

– Tsassarróóóu!!!

Mas não tente isso em casa. É preciso muito treino antes de dizer um bom tsassarróu. É que essas palavras em chinês, o significado delas depende da forma como a gente as entoa. As pernas do eme um pouco mais compridas, do tamanho das pernas da Isinbayeva, podem representar uma amenidade pastoril, como o vento que enverga os trigais fazendo lembrar dos cabelos ondulantes daquela sueca que um dia incendiou a imaginação dos varões do Império do Meio.

Um esse mais sibilante é capaz de simbolizar o negro dos olhos amendoados da donzela amada que numa manhã fria de inverno o fitaram com ardor sob as sombras dos ciprestes de 600 anos de idade do Templo do Céu.

É por aí.

Quer ver? Pequim mesmo. O nome “Pequim” significa “capital do Norte”. Bom. Só que não se diz Pequim, aqui na China. Diz-se “Beijing”. A cidade tem dois nomes. Perguntei para alguns chineses o porquê de tamanha abundância.

Eles responderam que Pequim é o nome para estrangeiros. Para facilitar a vida dos laowais, manja? Considero isso, ao mesmo tempo que uma deferência, uma subestimação. Será que os chineses acham que não vou saber dizer Beijing?

Claro que algumas palavras são difíceis, de fato. O nome do Mao: Tsé-tung. Muitos ocidentais agora o escrevem Zedong. Porque é como os chineses o pronunciam, aquele Ts tem som de zê.

Portanto, é bem complicado falar em mandarim. Donde, nós estrangeiros saímos por aí dizendo ni hao. É ni hao o dia todo. Ontem, o famoso fotógrafo Maionese contou quantos ni haos disse desde que desceu para o café até voltar ao quarto para tomar banho: um ni hao para o porteiro, dois ni haos para as camareiras que vinham pelo corredor, outro ni hao para o vigia do prédio do café e quatro hi haos em seqüência para todos que o atenderam no restaurante. Oito ni haos em 35 minutos.

Assim a gente passa o dia. Em 16, 17 horas de trabalho, os ni haos podem se elevar às centenas. Centenas de ni haos num único dia! Já estou cheio de dizer ni hao. Além disso, não dúvido que esse troço de ni hao seja sacanagem dos chineses.

Já os vi rindo à socapa depois de ter dito um ni hao todo animado na entrada do Ninho de Pássaro. De repente ni hao pode significar, sei lá, “adoro bombeiros”. Estou realmente desconfiado com esses chineses. Não vou mais dizer ni hao.

Ser um chinês

Não queria ser um chinês. Não que não goste deles. Gosto. Os chineses são educados e amáveis. Ao contrário dos brasileiros, jamais são grosseiros e raramente perdem a paciência. Sim. Eu realmente gosto dos chineses.

Mas não queria ser um.

Nada a ver com questões políticas ou econômicas, nada disso. Isso é importante, sei, mas não é isso que me afeta. Eu não queria ser um chinês simplesmente porque não queria ter um cara me dizendo o que fazer a todo momento. Não queria ter um sujeito soprando um apito ao meu lado, me mandando virar para a direita ou para a esquerda. Simplesmente não queria.

Os chineses não se importam com isso. Os chineses desenvolveram uma mecânica de vida em grupo muito eficiente. Mas, para tanto, eles precisaram treinar movimentos coletivos. Tinham de fazer desta forma, tantos que são.

Para entender como funciona, observe aí pela TV as provas de natação. Atrás dos nadadores ficam cadeirinhas de metal, e, ao lado das cadeiras, caixas de plástico do tamanho de engradados de cerveja. Nessas caixas os nadadores colocam o roupão, os tênis, os agasalhos que vestiam antes de pular na piscina.

Então, enquanto a prova está sendo realizada, as caixas têm de ser levadas para o vestiário. São voluntários chineses que exercem essa função. Não sei se a TV mostra como eles fazem isso. É assim: oito voluntários chineses se perfilam ao lado das oito caixas.

Ao comando de um deles, todos giram nos calcanhares e postam-se de frente para as caixas. Mais um comando e eles se abaixam e pegam nas bordas das caixas, todos abaixados na mesma posição, agarrando as caixas no mesmo ponto, mão esquerda no lado virado para a piscina, mão direita no lado virado para o joelho.

Permanecem imóveis alguns segundos. A mais uma ordem, erguem as caixas. Giram para frente. E marcham em linha reta para o vestiário. Uma ordem unida. Soldadinhos perfeitos, esses chineses. Ah, não, embora os admire e os aprecie de verdade, não gostaria de ser um deles. Não quero ser um chinês.



O leão e a coruja

Estou muito decepcionado com os leitores que acham que sou a tal coruja misteriosa. Francamente, confundir o meu estilo com essezinho. Não direi quem ele é, mas vou dar uma pista: em uma Copa do Mundo, ele foi um leão.

Nenhum comentário: