sábado, 23 de agosto de 2008


GUSTAVO FRANCO

A humanidade em Pessoa

O NACIONALISMO em Fernando Pessoa é o que se espera de quem foi descrito como "o cidadão do imaginário" e disse que sua pátria "é a língua portuguesa". É plural, como é próprio de um "pobre recortador de paradoxos", e que se desdobra em mais de 70 heterônimos.

Ao fim da vida, em 1935, ao preencher o formulário de uma nota biográfica, no quesito "ideologia política", definiu-se "conservador de estilo inglês, isto é, liberal dentro do conservantismo, e absolutamente anti-reacionário".

No quesito "posição patriótica", se diz "partidário de um nacionalismo místico, de onde seja abolida toda infiltração católico-romana, criando-se, se possível for, um sebastianismo novo, que a substitua espiritualmente, se é que no catolicismo português houve alguma vez espiritualidade. Nacionalista que se guia por este lema: "Tudo pela humanidade, nada contra a nação'".

A última frase contém uma alusão jocosa ao bordão de Mussolini "Tudo pelo Estado, nada contra o Estado", que havia sido importado para Portugal, por Salazar, num formato nacionalizado: "Tudo pela nação, nada contra a nação".

O paradoxo, ou a sátira, predomina em todos os seus escritos políticos. É como diz Andrés Ordoñes em seu magnífico estudo "O Místico sem Fé": Pessoa "enfrentando a realidade dando-lhe as costas". Ao explicar o que é "a essência nacional" em Portugal, Pessoa definiu três características:

(1) o predomínio da imaginação sobre a inteligência;
(2) o predomínio da emoção sobre a paixão;
(3) a adaptabilidade instintiva. E explica: "O futuro de Portugal é sermos tudo...

Quem, que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só fé?". Ora, de que país, assim tão universal, fala o poeta?

Ordeñez observa que Pessoa "propõe a concepção plural de Portugal: conceber a nova grandeza do país, a mesma que batizou do "Quinto Império", como um heterônimo coletivo", uma fórmula para afastar a frustração com a dura realidade da economia de seu país.

E o país, afinal, é feito de pessoas, e aqui peço a indulgência do leitor para este trocadilho, que, na verdade, pertence a Ferreira Gullar, que disse que o poeta deveria chamar-se Fernando Pessoas (sic).

Pois bem, mas onde estaria Fernando Pessoa nos debates brasileiros de hoje?

Sobre economia, Pessoa escreveu bastante, e seus textos nesse terreno, bem mais objetivos que os sobre política, têm impressionante atualidade.

Foram recentemente reeditados no Brasil. Vale olhar, pois não dão nenhum alento ao pensamento econômico esotérico.

gh.franco@uol.com.br

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