quarta-feira, 20 de agosto de 2008



20 de agosto de 2008
N° 15701 - DAVID COIMBRA


Uma Tzindao bem gelada, por favor!

Às vezes eu gostaria apenas de sentar em uma mesa de bar, aqui no Oriente Longínquo, e pedir uma cerveja Tzindao bem gelada e apenas ficar ali, vendo chineses por todo lado, aqueles chineses magros dizendo ni hao uns para os outros.

Mas isso é algo realmente difícil de se fazer por aqui. Não apenas porque os leitores de Zero Hora esperam avidamente por textos sobre a Olimpíada, textos, textos, textos, mas também porque não se encontra cerveja Tzindao gelada com facilidade.

Os chineses não tomam bebida gelada. Dizem que faz mal à saúde. Por favor! Como é que uma cerveja Tzindao bem gelada fará mal à saúde???

Mas os chineses são assim. Queijo, por exemplo. Eles acham muito estranho que nós ocidentais comamos queijo. Consideram o queijo um alimento gorduroso demais. Ora, será que os chineses não sabem que uma vida sem um pouco de gordura não vale a pena ser vivida? Francamente.

Claro que em Pequim os hábitos já estão se ocidentalizando. A cultura americana é irresistível. O tal american way of life. Porque os Estados Unidos construíram a civilização que mais se aproxima do ideal de bem-estar do ser humano.

Uma civilização erguida em nome dos princípios elevados da liberdade do indivíduo e da democracia, sim, mas cimentada pela forma como os americanos solucionam os problemas comezinhos da vida. E, como a maior parte da vida é feita de problemas comezinhos, não há nada mais importante do que eles, afinal.

Pois os americanos tentam tornar a vida prática, confortável e barata. São esses os seus três princípios fundamentais.

Assim, aqui em Pequim as pessoas usam jeans, tênis e camiseta, as pessoas ouvem rock’n roll, vêem Friends na TV, bebem Coca-Cola, comem McDonald’s. Nunca vi uma cidade ter tanto McDonald’s. As pessoas vivem como os americanos e não fazem tudo isso porque é bonito agir como um americano. Fazem porque é prático, confortável e barato.

Os chineses podem ser mais de 1 bilhão e provavelmente dominarão a economia do planeta em pouco tempo, mas a cultura americana os envolverá, já os está envolvendo, e os modificará, já os está modificando, e cada vez mais a China se parecerá com o resto do mundo.

É evidente, também, que as megalópoles da China não são toda a China. A maioria da população ainda vive no campo. Lá, os chineses fazem como faziam os porto-alegrenses do século 19: suas refeições são realizadas às 10h e às 16h. Lá ainda não existem privadas com assento, equipamento usado no Ocidente desde os antigos romanos.

Mao Tsé-tung mesmo, quando em viagem, inclusive nas viagens a Moscou, levava sua própria cama de madeira e exigia latrinas em que o usuário ficasse agachado.

Uma vez, estando no Kremlin, ficou com vontade de ir ao banheiro e se desesperou: todas as privadas tinham assento. Fez os assessores soviéticos buscarem um penico para que pudesse obrar em paz.

Mao era um típico camponês do interior da China. Como tal, jamais escovava os dentes. Ao acordar, enxaguava a boca com chá e depois comia as folhas. Seus dentes eram como que cobertos por uma camada de musgo verde.

O Doutor Li, seu médico particular por 22 anos, ao examinar os dentes do Grande Timoneiro, espantou-se: alguns estavam moles, prestes a cair, e da gengiva escorria pus.

Mao também não tomava banho. Seus servidores o esfregavam com toalhas quentes, enquanto ele lia documentos do governo.

No livro que escreveu sobre seu paciente mais famoso, o Doutor Li revelou até detalhes íntimos do Grande Timoneiro. Disse que o testículo direito de Mao não havia descido para o saco escrotal. Resolveu examinar o esperma do ditador de todos os chineses e escreveu o seguinte a respeito:

“Seu pênis era pequeno e macio. Massageei até extrair a secreção e mandei-a para o laboratório”.

Para ver como às vezes pode ser desalentadora a profissão de médico.

Há uma história de Mao na URSS que mostra à perfeição o quanto ele era inadaptado aos costumes ocidentais e, por extensão, como mantinha a China igualmente inadaptada. Deu-se em 1957. Krushev o levou para ver o Lago dos Cisnes. Sentado no camarote, Mao começou a se impacientar. Virou-se para Krushev e comentou:

– Eu nunca poderia dançar desse jeito. E você?

Cordial, Krushev concordou que provavelmente não conseguiria dançar na ponta dos pés. No fim do segundo ato, Mao foi embora, aborrecido. Saiu reclamando:

– Por que eles tinham de dançar daquele jeito, se empinando de um lado para o outro na ponta dos pés? Aquilo me deixou nervoso. Por que eles não podiam dançar de um jeito mais normal?

É evidente que, com seu líder pensando assim, os chineses permaneceriam encasulados atrás da Grande Muralha enquanto ele se mantivesse no poder.

Mas Mao morreu em 1976, Deng Xiaoping decretou que enriquecer é glorioso e, hoje, embora se veja o retrato sorridente do Grande Timoneiro pendurado na porta principal da Cidade Proibida, embora esse mesmo retrato encare quem quer que pegue uma nota de yuan, qualquer nota de yuan, Mao tornou-se apenas um símbolo.

Os jovens de Pequim, esses jovens que mais tarde comandarão a China, não compreendem exatamente o que Mao representou e o que ele pensava.

Esses jovens já foram capturados pelo capitalismo e pelos confortáveis costumes americanos. Hoje, vestem jeans e ouvem rock; amanhã talvez adotem a democracia. E, quem sabe, será mais fácil de encontrar uma Tzindao bem gelada.

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