domingo, 24 de agosto de 2008


DANUZA LEÃO

Sobre as algemas

Duvido que um batedor de carteira vá ser avaliado, em uma fração de segundo, se deve ou não ser algemado

TEM COISAS que só no Brasil: essa discussão sobre as algemas, por exemplo. O intrigante é que só tenham pensado nisso depois da prisão de Daniel Dantas, Naji Nahas e Celso Pitta.

Em todos os países do mundo, quando um "indivíduo" vai preso, ele é algemado, discretamente, com as mãos nas costas, e fim de papo;

mas limitar o uso das algemas apenas para casos de "resistência, perigo de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia", e ainda obrigar o agente a justificar, por escrito, a razão que o fez optar pelas algemas é um total absurdo.

Na hora de prender alguém, os ânimos costumam estar exaltados, e em uma fração de segundo a pessoa mais dócil e tranqüila pode se transformar numa fera, agredir o policial que o está prendendo e fugir para não ir para a cadeia.

É bem verdade que de pessoas finas não se espera esse tipo de procedimento, até porque essas sabem que têm bons advogados que conseguirão libertá-las em curto tempo. Nenhum ser humano é perfeito, isso é um fato.

E o policial? Mesmo que seja advogado, psicanalista e um profundo conhecedor da condição humana, ele pode falhar. Mas e se falhar?

Como justificar, por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal, que percebeu no brilho do olhar de quem estava prendendo, que ele seria capaz de qualquer coisa para escapar da prisão? E se tiver um canivete no bolso que ninguém tenha visto, não pode atacar o policial e até matá-lo?

Como um agente, que ganha uma miséria, pode ficar sujeito às penas da lei, desde que essa responsabilidade passou a ser dele?

Todo mundo pode se enganar, sobretudo em situações de tensão, como é o caso no momento de uma prisão. Mesmo os mais inteligentes, os mais preparados, as mentes mais cultas podem se enganar -e se enganam muitas vezes, durante o decorrer de suas vidas.

Enganam-se quando amam a pessoa errada, se enganam quando educam seus filhos, pensando que estão fazendo o melhor e ele se torna um traficante.

Daí o ditado: errar é humano. Mas o pobre do policial não pode errar; tem que ter certeza, naquele instante, de que a pessoa que está prendendo não vai fugir, que não vai ferir sua integridade física etc. etc., ou será punido. É querer muito.

Ou se algema todo mundo, ou não se algema ninguém. Duvido que um batedor de carteira vá ser avaliado, em uma fração de segundo, se deve ou não ser algemado. Mas duvido mesmo.

E não há prova maior de que, por mais autoridade e conhecimento de vida que tenha uma pessoa, ela sempre pode se enganar.

Vide o caso -com todo o respeito- do brilhante ministro Marco Aurélio Mello, que concedeu habeas corpus a Salvatore Cacciola, certo de que, por ter domicílio fixo, família etc., ele não iria jamais tentar fugir; pois 24 horas depois o banqueiro tomou um avião e foi parar na Itália, onde ficou livre durante oito longos anos.

Se um dos mais inteligentes ministros do Supremo Tribunal Federal pode cometer um engano desses, como pretender que um simples policial tenha, em minutos, a certeza absoluta sobre quem deve ou não ser algemado?

A partir de agora, quem for rico e tiver apenas roubado -e quanto mais melhor- pode ficar tranqüilo, pois não será, jamais, algemado.

Mas toda a opinião pública saber, pelos jornais e pelas televisões, dos crimes que eles cometeram é tão vergonhoso como ter uma foto nos jornais com algemas nos pulsos. As algemas, aliás, são o de menos.

danuza.leao@uol.com.br

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