sábado, 5 de abril de 2008

Ueba! Osbourne come morcego diet!



05 de abril de 2008
N° 15562 - Cláudia Laitano


Casamentos

No ano em que se comemora o centenário do nascimento de Simone de Beauvoir, o tipo de casamento que ela e Sartre tornaram mundialmente famoso ainda não emplacou.

Relacionamento aberto, casas separadas, tolerância máxima para polígonos amorosos, todo o kit formatado por um dos casais mais célebres do século 20, permanecem como uma teoria interessante que raramente encontrou uma prática satisfatória - mais ou menos como o marxismo, com a diferença de que este foi testado por uma considerável fatia do planeta ao longo do século que passou.

Livros, cartas e depoimentos de pessoas que foram próximas (ou mais do que próximas) do casal lançam algumas luzes sobre esse relacionamento tão sólido e fluido ao mesmo tempo. Alguns dizem que Simone apenas acatou a idéia ousada de Sartre - e sofreu como qualquer mulher, antes e depois dela, ao dividir o homem amado.

Outros lembram que ela também teve muitos casos e que havia entre eles um pacto de honestidade e cumplicidade que jamais foi ameaçado pelos respectivos amantes e muito menos pelos olhares desconfiados da classe média bem-comportada.

Talvez fazer um balanço de prós e contras, colocar lado a lado os dias de céu e de inferno para descobrir se foram mais ou menos felizes do que um casal convencional, não seja a melhor abordagem da questão - que casamento não tem céu e inferno?

O fato é que eles fizeram história e hoje repousam, lado a lado, no cemitério de Montparnasse. Se o casamento "a la Sartre" não vingou é porque as relações amorosas são tão complexas que a maioria das pessoas, homens e mulheres, ainda prefere a privação de liberdade ao excesso de variáveis para equacionar.

Jornalista e filósofo nascido em Viena, André Gorz (1923 - 2006) foi um marxista-existencialista fortemente influenciado pelas idéias de Sartre. Nas décadas de 60 e 70, tornou-se referência para a chamada Nova Esquerda e foi um dos principais inspiradores do Maio de 68.

Gorz ficou conhecido pelos livros de filosofia política, mas seu testamento literário, o último texto que assinou, narra uma história de amor - um amor tão profundo e transformador, de ambas as partes, que parece ainda mais excepcional que o de Sartre e Simone. Carta a D., lançado há pouco no Brasil, tem um dos melhores começos de livro que eu já li: "Você está para fazer 82 anos.

Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que 45 quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz 58 anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca".

"D" é Dorine, a mulher com quem ele foi casado durante toda a vida e ao lado da qual se suicidaria, três meses depois de colocar o ponto final nessa comovente carta de amor - Dorine estava doente, e André não conseguia conviver com a idéia de sobreviver a ela. O livro é ao mesmo tempo uma homenagem e um acerto de contas.

A impressão que se tem é de que ele passou a vida inteira tão absorvido pelo trabalho que nunca teve tempo para render a esse amor o tributo que ele merecia.

Sartre e Gorz foram mestre e discípulo, partilharam convicções e garrafas de vinho até romperem, por motivos políticos, no início dos anos 70. É curioso que tenham inventado casamentos "existencialistas" tão distintos.

O existencialismo valoriza a autonomia do indivíduo e nega as correntes teóricas que dão prioridade às instituições e estruturas sociais, de onde podemos concluir que cada um tenha tentado fundar um modelo de relacionamento a sua imagem e semelhança - o que, no fim das contas, talvez seja o segredo do sucesso de qualquer casamento. Quando ambos os lados estão de acordo.

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