quinta-feira, 3 de abril de 2008


Paulo Sant'ana

O direito à verdade

Algumas autoridades saíram a público há dias para tentar alcançar seu objetivo de desviar a atenção da população, declarando que a bactéria

Acinetobacter, que atualmente infesta os hospitais de Porto Alegre, só pode matar quando "associada a outras moléstias, como a cardiopatia, o diabetes etc.".

Eu pergunto a eles de que forma esta terrível bactéria hospitalar não vai se associar a "outras moléstias", se os infectados por ela estão na UTI, portanto internos em um hospital - e para o hospital só vão os doentes, ninguém vai ao hospital, por exemplo, para freqüentar happy hour!

Se a infecção é hospitalar, então é claro que os que morrerem infectados por esta bactéria portem outras doenças em seus corpos, ora bolas. Exatamente por causa das outras doenças é que foram parar nos hospitais.

O que pretendiam eles era esconder que a principal causa das mortes eventuais nos hospitais era a bactéria hospitalar. E não "as outras doenças associadas".

Como era muito frágil o argumento, partiram para um segundo argumento, menos frágil, mas ainda falso: não se podia fornecer o número de mortos infectados pela bactéria porque isso poderia causar pânico na população.

Este argumento é tão falacioso, que todos os dias, há meses, a imprensa brasileira publica o número total e exato - e assustador - de mortes por dengue no Rio de Janeiro.

Nem por isso a imprensa, nem a Secretaria da Saúde carioca, nem o governo do Rio de Janeiro estão sendo acusados de semeadores de pânico entre a população.

A Secretaria da Saúde de Porto Alegre, ontem, saiu da moita finalmente e publicou o número de infectados com a bactéria: 400.

Mas por que não publicou o número de mortos pela bactéria? Por quê? Ou então podia até disfarçar num eufemismo que seria favorável a ela, secretaria, e aos hospitais: por que não publicou o número dos pacientes infectados pela bactéria, entre os 400 contagiados, que os hospitais conseguiram salvar da morte? Por quê?

Eu quero escrever agora uma coisa que penso seja definitiva, tanta gente importante culturalmente a apoiou ontem quando a antecipei para eles pessoalmente: a palavra verdade jamais pode ser misturada à palavra pânico em matéria de saúde pública.

Vão ter de dizer, queiram ou não queiram, o número de mortos pela bactéria hospitalar nos hospitais de Porto Alegre nos últimos meses e nos últimos dias, Vão ter de dizer. Não vão continuar escondendo.

O que importa é a verdade. A verdade tem de ser transparente.

Se em um Estado ou país forem 500 mil os mortos por febre amarela, por exemplo, quem se salvou da febre amarela entre a população tem de saber o número de mortos. Pelo direito à informação e também para que se acautelem contra a febre amarela, como ditou a inspiração divina de Oswaldo Cruz na virada do século 19.

Não se pode ocultar dos cidadãos os perigos por que estão passando ou os desvios tortuosos do destino a que podem ser submetidos por uma doença.

Parem de esconder. Parem de esconder. Até mesmo porque já não tenho mais dúvida de que esta maldita bactéria fez mais vítimas do que tinha de fazer porque havia um processo de ocultamento da verdade.

Parem de esconder. Cultuem a transparência. O povo tem o direito à verdade.

E o ocultamento da verdade vai acabar engolindo os ocultadores, em vez de preservá-los.

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