terça-feira, 1 de abril de 2008



ATENUANTES OU AGRAVANTES?

A política é, cada vez mais, um caso de polícia. Normal. A Polícia é, cada vez mais, um problema de falta de política. Eu, por exemplo, ao contrário do que alguns podem imaginar, nunca critiquei o governo atual por ter corruptos.

Não me ocorre ser contra a natureza dos governos e muito menos contra a natureza humana. Swift defendia o uso das propriedades nutritivas da matéria fecal.

Voltaire mostrou que o nariz foi inventado para segurar óculos. Na verdade, condenei Luiz Inácio e o PT – eu e a torcida do Clube dos 13 – por terem dito que fariam um governo sem corruptos e por terem convencido quase todo mundo, inclusive eu, de que a lógica da corrupção pertencia a 'tudo o que veio antes' e iria parar no museu das práticas clientelistas e patriarcais. O problema é que no Brasil tudo tende a funcionar pelo avesso.

Nossos 'democratas' não são republicanos (nem necessariamente democráticos). Nossos republicanos tendem a não ser democratas. Mais do que uma simples inversão ou um jogo de palavras, isso representa um estilo de vida em que vício e virtude são apenas as duas faces da mesma moeda, menos os 10% ou 20% da propina.

Passados cinco anos de governo, com aprovação estupenda da população ao presidente da República, muitos militantes ressurgiram para transformar agravantes (a contradição entre discurso e prática) em atenuantes (todo mundo faz e o sistema não deixa alternativa).

A oposição tenta fazer exatamente o oposto, transformando o que no tempo dos seus governos era atenuante (disfunções do sistema) em agravantes (hipocrisia da esquerda). O leigo tira uma única conclusão: o mesmo tipo de ato leva a condenações diferentes conforme o ator ou a posição ocupada pelo acusador e pelo acusado.

O roubo parece não ser problema, mas sim o bom uso político que dele se pode fazer. Na oposição, a direita fica virtuosa. No poder, a esquerda chafurda nos vícios. Do ponto de vista da corrupção, não existe esquerda nem direita, mas apenas a situação que faz, ao mesmo tempo, o ladrão e o seu juiz. Como diz o ditado, a ocasião faz o político e as leis.

Grosseiramente falando, o argumento de alguns atualmente para justificar tudo o que houve não passa de uma variação do célebre 'rouba, mas faz', um 'rouba como todos, mas faz como nunca se fez na história deste país', prática admitida pelo povo tanto à direita quanto à esquerda, desde que com alguns benefícios palpáveis e mensais.

Talvez se deva ver nisso tudo uma marca da inteligência popular, um amadurecimento da esquerda e uma lição para a direita: já não é mais possível desviar sem fazer o mínimo indispensável em linha reta.

Dar de comer não é assistencialismo, mas assistência aos famintos. Não canso de repetir o slogan dos liberais: 'Não existe almoço grátis'. Manter os eleitores vivos ainda é o preço menor para que eles possam se arrastar até as urnas.

Como dizia um homem citado por Borges – tomem Borges! –, 'já fui preso muitas vezes, mas sempre por homicídio'. Cada sociedade elege os seus valores. Pode ser que dia desses nossos políticos, em surtos de sinceridade ou de marketing eleitoral ousado, digam orgulhosamente:

já fui corrupto várias vezes, mas sempre pelo bem do povo. Ou é isso que eles sugerem desde sempre? Como dizia Jean Baudrillard – tomem Baudrillard! –, a corrupção nunca é o mal maior no capitalismo. O mal maior é quando o capital não pode circular.

juremir@correiodopovo.com.br

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