terça-feira, 1 de abril de 2008



01 de abril de 2008
N° 15558 - Moacyr Scliar


As lições da dengue


Não é preciso passar mais do que algumas horas no Rio de Janeiro para se constatar: o pavor da dengue tomou conta das pessoas.

O assunto está em todos os jornais, em todos os noticiários de rádio e de tevê, em todas as bocas. O movimento dos hotéis caiu muito, o que, numa cidade que tem no turismo uma importante fonte de renda, é um desastre.

Claro, quem precisa ir ao Rio vai de qualquer modo, tomando todas as precauções possíveis. Há algumas semanas dei uma palestra numa instituição popular localizada numa antiga fábrica, na zona portuária do Rio: tão logo cheguei, fui atacado por uma feroz onda de mosquitos.

Felizmente eu estava protegido; uso tanto repelente, que, no hotel, nem os garçons chegavam perto, mas esta situação, convenhamos, não é das mais agradáveis e está acabando com a paciência dos cariocas.

Na seção de cartas de O Globo, na quinta passada, havia 21 mensagens; 18 falavam da dengue. E todas se queixavam das autoridades. Por bons motivos. O recente bate-boca protagonizado pelos responsáveis pelos serviços de saúde foi uma coisa muito triste.

Há duas frases que o administrador público não pode dizer. A primeira: "Isto não é comigo". Sim, existe uma divisão de tarefas. Mas as pessoas não têm obrigação de conhecer organogramas; e, quando estão desesperadas, não querem saber de organogramas.

Qualquer repartição, qualquer servidor, têm de servir como porta de entrada para o sistema que, ao menos teoricamente, vai proporcionar atendimento. Na prática, isto significa dizer: "Eu vou encaminhá-lo para o atendimento".

E aí encaminhar mesmo: pegar o telefone, fazer o contato, instruir a pessoa sobre como proceder.

A segunda frase a ser evitada é: "Isto é culpa de X" (no lugar deste X vocês podem colocar um órgão, um serviço, o ocupante de um cargo público). No Rio, a troca de acusações enfureceu as pessoas. Perguntava uma leitora:

"Até quando prefeito e governador continuarão jogando a culpa um no outro pela epidemia de dengue?" Os políticos não se dão conta de que nesta briga não há vencedores, que é uma conduta suicida.

Neste sentido, a idéia de um "gabinete de crise" reunindo no Rio os níveis federal, estadual e municipal foi uma coisa sensata.

As epidemias expõem as entranhas do país, mostram de forma implacável os problemas que não foram resolvidos. Este serviço pelo menos os micróbios, que sabem aproveitar qualquer oportunidade, prestam. Não seria mau aprender com eles.

Hoje à noite, concerto da Ospa, regido por Isaac Karabtchevsky, homenageando Daniel Ioschpe, que foi grande empresário e grande impulsionador da cultura. A iniciativa é dos filhos de Daniel, Gustavo e Débora, dois jovens que fariam o orgulho de quaisquer pai e mãe.

Todos que comprarem o livro do rabino Henry Sobel Um Homem, um Rabino (Ediouro) irão direto à parte do roubo de gravatas. E todos se decepcionarão. Sobel só conta o que já é bem sabido. Mas o importante não é isso.

Importantes são as lúcidas considerações que Sobel faz sobre o judaísmo, sobre Israel, sobre Brasil, sobre o mundo.

Ali Sobel tem muita coisa interessante a dizer. Ninguém sabe o que se passa no inconsciente dele. Mas que o consciente funciona bem, isso funciona.

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