sábado, 25 de dezembro de 2021


25 DE DEZEMBRO DE 2021
ENTREVISTA

"Entendo que a privatização do Banrisul é inevitável"

EDUARDO LEITE Governador do Rio Grande do Sul

Às vésperas de completar o terceiro ano de mandato, o governador Eduardo Leite já absorveu a derrota na prévia do PSDB, congelou o projeto de ser candidato a presidente da República e está decidido a cumprir o mandato até o fim. Não vê sentido em renunciar para ser candidato a senador ou deputado, muito menos para ser coadjuvante em um processo que o obrigaria a sair do PSDB. Como prometeu na campanha de 2018, disputar a reeleição está fora do seu radar, apesar do desejo de eleger alguém que defenda seu legado e dê continuidade ao projeto.

Ao falar sobre o principal desafio de 2022, deu uma resposta que soaria impensável nos dois anos anteriores: gastar os recursos disponíveis para investimentos, fruto de um processo de ajuste de contas, combinado com a inflação que fez crescer a receita.

O governador também falou do cenário que espera seu sucessor e opinou que a privatização do Banrisul terá de ser discutida na campanha eleitoral:

- Eu entendo que é inevitável. O Estado terá que discutir e levar essa privatização adiante.

Usando camisa com gravata, Leite conversou com ZH por quase uma hora, no Salão dos Espelhos do Palácio Piratini, na última quarta-feira. Ao lado, a síntese da entrevista.

Encerrado o ano de 2021, que foi um ano difícil, mas teve arrecadação surpreendente, qual o grande desafio para 2022?

A capacidade de execução do Estado. Tal qual uma pessoa que não se exercita, o Estado, sem ter capacidade de investimentos, foi enferrujando, foi atrofiando sua capacidade de execução das políticas públicas. Não havia investimentos, então a máquina trabalhava com menos capacidade. Agora, temos os recursos e o grande desafio é destravar a máquina e fazermos os investimentos. O programa Avançar tem recursos assegurados e o fluxo financeiro pactuado com a Fazenda. Estou me dedicando a acompanhar no detalhe a execução de cada um dos investimentos previstos nos mais de 240 projetos.

Seria possível investir mais em 2021 se o Estado não estivesse com essa "atrofia"?

A gente teve a capacidade financeira retomada. Quitamos dívidas de curto prazo com municípios, fornecedores e hospitais. Estamos com tudo em dia. A gente tem recursos para investimento, agora temos de ter a capacidade de execução. Estamos avançando em convênios e parcerias com as prefeituras para a execução desses recursos.

O regime de recuperação fiscal (RRF), que se tornou quase lenda, será assinado quando?

São duas etapas. A primeira é da adesão, em que a gente faz o pedido, a Secretaria do Tesouro Nacional faz a análise e deve dar a resposta em até 30 dias (o Piratini deve encaminhar o pedido ainda em dezembro). Nesse momento, o Estado já entra no regime. O passo seguinte é a homologação do plano, com tudo o que o Estado vai fazer e o que poderá dispensar das restrições. O importante é que, ao final do processo, a gente consiga ter capacidade de pagamento da dívida. A homologação é feita pelo presidente da República, e a expectativa é de que isso aconteça no primeiro semestre, entre 90 e 120 dias depois da adesão. Ou seja: entre maio e junho.

O Banrisul sempre esteve na mira para a adesão ao regime de recuperação fiscal, e acabou ficando de fora. O próximo governador terá de vender o Banrisul?

Essa discussão deverá ser feita. A decisão será do próximo governador, creio que esse assunto virá ao debate na eleição, e acho que tem de vir. Tem duas questões: a primeira é a condição de um banco público concorrer no mercado bancário, que se altera profundamente por causa da tecnologia, mais ainda no momento em que os grandes bancos privados estão ameaçados pelas fintechs e os novos bancos digitais. O outro ponto é que essa será uma década de transição, em que vamos estar vedados de acessar recursos para investimentos até que concluamos o regime de recuperação fiscal. O banco é também um ativo que pode ser convertido em investimentos estratégicos, em áreas que ajudem a se desenvolver, em vez de ver o ativo patrimonial perder valor. Acho que é um assunto que terá de vir na eleição. Nesse governo, tínhamos discussões sobre empresas que operam em regime de concessão de serviços públicos e as reformas na estrutura das carreiras e da previdência. A discussão do banco exigiria um esforço político imenso e não resolveria o problema do Estado.

Sua posição é pela privatização?

Eu entendo que é inevitável. O Estado terá que discutir e levar essa privatização adiante. Agora, não é algo que se faça pela mera vontade de um governador. Nós não fizemos e não faremos, porque tínhamos outras prioridades, não havia tempo na agenda para colocar a discussão sobre o banco, que consumiria um esforço político. O capital político é finito, se escolhe onde vai alocar.

Faltou capital político para aprovar uma reforma tributária mais progressiva, como a que o senhor propôs em 2020?

Sempre entendi que o primeiro ano e meio de governo seria para fazer as reformas estruturantes, e que faríamos a reforma tributária no primeiro semestre de 2020, mas aí sobreveio a pandemia, que alterou o cenário. Se tivéssemos aprovado a reforma tributária, possivelmente o Estado não precisaria aderir ao regime de recuperação fiscal e teria capacidade imediata de retomar o pagamento da dívida, mas são as decisões que se tomam a partir do contexto em que se vive. Entendemos que a sociedade gaúcha, a partir de debates travados na Assembleia, tinha dificuldade de compreender aquela reforma, então optamos por outro caminho, mas fizemos ajustes importantes na estrutura tributária avançando na redução da regressividade do ICMS.

Sua maior frustração nesse período do governo é não ter conseguido fazer a educação avançar?

A educação é algo que tem de estar no topo da agenda. Era difícil para um governo que tinha credores batendo à porta conseguir sonhar com transformação mais profunda. Claro que é uma frustração, mas, ao mesmo tempo, estamos cientes das circunstâncias com as quais trabalhamos. Agora, estamos em outra condição. A pandemia vai sendo superada, já sabemos os efeitos nas crianças, o Estado tem capacidade de investimento e está pagando em dia. Temos capacidade de sonhar e planejar um ganho de qualidade na educação ao longo dos próximos anos. Estamos plantando as primeiras sementes, com o projeto do ICMS na educação, buscando fazer parcerias para que melhore o papel do Estado na contribuição com municípios (o projeto aumenta repasses do ICMS para quem melhorar indicadores de educação). Queremos que a Secretaria da Educação, mais do que gestora da rede estadual, seja articuladora da educação ao Rio Grande do Sul, e pretendemos fazer isso com o apoio de entidades nacionais que trabalharam nos cases mais bem sucedidos do Brasil. E queremos deixar como legado, começando em 2022, a expansão do ensino integral no Ensino Médio.

O senhor estará no Palácio Piratini no final de 2022 para fazer um balanço do seu governo?

Estarei como governador ou se for convidado pelo governador Ranolfo (risos).

Mas há possibilidade de se candidatar a algum cargo que o obrigue a renunciar em abril?

Não pretendo renunciar. Uma candidatura a senador, que exigiria uma renúncia, não faz sentido para mim. Será o melhor ano do governo, com as melhores entregas, e de grandes desafios para garantir a execução de todos os investimentos projetados. Pretendo concluir meu período como governador sem concorrer a qualquer outro cargo.

Diante dos convites que o senhor tem recebido, há possibilidade de deixar o PSDB?

Estou no PSDB há 20 anos, não é algo que eu goste de considerar. Mas precisamos ver que cara será dada ao PSDB pela candidatura do governador João Doria. Quais serão as alianças, os discursos e os posicionamentos, em uma eleição que é crítica para o Brasil. Quero ver uma alternativa, não um terceiro polo de radicalização. Não pretendo sair do PSDB, mas se o PSDB deixar de ser o PSDB ao qual me identifico, talvez continuar no partido seja sair dele.

Fala-se muito que o senhor poderia ser o vice de Sergio Moro (Podemos), o que exigiria troca de partido. Isso pode acontecer?

Não trabalho com essa possibilidade. Nada contra o papel do vice, mas teria de renunciar ao mandato, o que não faz sentido para coadjuvar um projeto nacional. Para ser coadjuvante, não preciso estar na chapa, posso empunhar bandeira, distribuir santinhos e fazer tantas outras coisas conciliando com a tarefa de governador.

Santinhos do Moro ou do Doria?

Da candidatura que construirmos. A de meu partido no momento é a de João Doria. Mas sempre disse que, se fosse o escolhido, trabalharia na lógica de buscar o apoio com a humildade para apoiar, se fosse o caso. E tenho ressaltado que é importante que o governador João Doria se mantenha na mesma posição. Com a rejeição que tem, e o índice de votos que tem, não pode se impor como candidato. E se houver outro candidato que melhor consiga aglutinar apoios e ter capacidade eleitoral, estar disposto a apoiar. Não tenho convicção de que seja Sergio Moro porque também tem rejeição alta que precisa trabalhar.

A possibilidade de concorrer à reeleição é 100% descartada?

Não serei candidato à reeleição. Sei que só consegui fazer um governo que enfrentou o tema da crise fiscal da forma como enfrentamos em razão dessa posição. Tenho consciência de que se fosse um virtual candidato à reeleição, não teria feito mandato de transformação do Estado. E pretendo cumprir minha decisão. Mas não vou me omitir ao processo da sucessão, vou trabalhar para garantir a continuidade de nossa agenda.

E quem teria condições de defender o legado do governo?

Essa é uma discussão que vamos fazer com a base, começando pelo meu partido. Atualmente, o PSDB deseja ter o protagonismo, e é legítimo que queira, mas não fizemos a transformação do Estado sozinhos. Tivemos apoios importantes de outros partidos e pretendo me reunir com eles durante os primeiros meses de 2022 para formar liga e manter essa base o máximo possível unida. É justo que cada um queira buscar o protagonismo no processo, mas minha parte será de tentar manter o grupo unido para que possamos ter a agenda do governo representada com fôlego.

O senhor apoiaria um candidato a governador alinhado ao presidente Jair Bolsonaro?

Esse é um tema mais difícil, mais complexo, porque o Rio Grande do Sul não é uma ilha. Não precisamos ter convergência em tudo, mas o governo nacional interfere nos interesses do Estado, e estamos vendo um país que cresce menos do que deveria, com problemas de ordem institucional, instabilidade constante, conflitos e confrontos que geram impactos econômicos. O Brasil vai crescer menos que o mundo em 2022, talvez tenha recessão, está com inflação em alta, muito por conta da incapacidade do governo federal de tratar da crise e fazer as reformas que precisam ser feitas. A gestão da pandemia, a gestão econômica, a falta de sensibilidade social, o governo lamentavelmente incorre em muitos problemas e equívocos que afetam os interesses do Estado. Essa questão nacional vai pesar muito sobre as possibilidades de construir alianças.

Se os maiores partidos da base lançarem candidatos, a continuidade de sua gestão estará ameaçada?

Ainda é prematuro fazer essa análise, mas entendo que o governo chegará com força e capital político na eleição.

O vice-governador Ranolfo Vieira Júnior entrou no PSDB com a expectativa de ser candidato a governador. Ele é o nome do partido? E se houver aliança com o MDB, o mais afinado com o governo é o presidente da Assembleia, Gabriel Souza?

São naturalmente dois nomes que despontam. Ranolfo acompanhou comigo toda a agenda, as reuniões com secretários, com a equipe do núcleo duro, em que se definem estratégias para todas as agendas. Foi um parceiro leal, com muita capacidade técnica e política, e tenho certeza que pode ser o líder desse projeto no processo eleitoral. No PSDB, é o nome que tem melhor condição para ser representante desse projeto. Tenho muita confiança e segurança nele. O presidente da Assembleia, deputado Gabriel Souza, desde que era líder do governo Sartori, depois na bancada do MDB, sempre teve interlocução, debateu as questões mais cruciais, ajudou o governo e teve papel importante como presidente da Assembleia. Considero que é também um quadro muito qualificado que tem toda a capacidade de ser um líder desse projeto. Mas o entendimento não tem de ser meu, tem de ser do grupo.

No caso do MDB, os nomes que aparecem, além do presidente da Assembleia, são de Alceu Moreira, que faz parte do mesmo grupo político de Gabriel Souza, e o de José Paulo Cairoli, que foi vice de José Ivo Sartori. Há jogo com eles?

Não vou me intrometer na questão partidária, essa discussão é do MDB.

Como observa o movimento do ex-governador Geraldo Alckmin, que saiu do PSDB e poderá ser candidato a vice na chapa presidencial de Lula?

Respeito muito o governador Geraldo Alckmin pela sua história e sua trajetória, mas acho um erro. Não entendo que seja o tempo de nos resignarmos de que, para tirar Bolsonaro, precisamos voltar ao um passado que também não foi bom e que deixou heranças negativas. Embora Lula tenha terminado o mandato com crescimento econômico, ali germinava tanto a corrupção quanto uma política econômica que rendeu profunda recessão em 2015 e 2016, algo que impactou muito a vida das pes­soas. Não acho que a solução para o Brasil seja o retorno de Lula, temos de trabalhar até o último instante por uma alternativa.

O que o senhor planeja para seu futuro político após 2022?

Tenho um ano inteiro de governo pela frente. Quando decidi não concorrer à reeleição como prefeito, muitos diziam que perderia a chance de me consolidar politicamente e que ficar dois anos fora da vitrine poderia ser fatal. Acabei me tornando governador. Estou muito feliz com o que fazemos no Rio Grande do Sul e isso me realiza. Se a minha vida política tiver de encerrar aqui, não tenho nenhum problema com isso. Vou estar na política tanto quanto o povo entenda que deva estar. Existem tantas outras possibilidades de ajudar lateralmente, através de organizações que dão apoio, ajudam governos. Tenho buscado institutos, fundações e organizações com projetos para educação, segurança, saúde e gestão estratégica. Eventualmente, uma delas possa ser um caminho, mas não tenho nada negociado.

 ROSANE DE OLIVEIRA PAULO EGÍDIO

Nenhum comentário: