sábado, 25 de dezembro de 2021


25 DE DEZEMBRO DE 2021
MARCELO RECH

O vírus da incerteza

Dois anos depois do surgimento da covid-19, se há uma certeza é de que há poucas e frágeis certezas a se extrair sobre o curso de um vírus traiçoeiro. O contágio alcançou até agora mais de 275 milhões de habitantes da Terra, matou 5,4 milhões e sistematicamente aplica uma lição de humildade em quem se arvora senhor das verdades definitivas.

Uma das poucas convicções aceitas universalmente (malucos, aproveitadores e alienados não entram nessa conta) é a de que, além de vacinas e mais vacinas, a melhor forma de defesa é distanciamento social, máscaras de boa qualidade usadas de forma correta, ambientes arejados e higienização. Outra deveria ser a de que sensações de alívio são isoladas e fugazes - de uma forma ou de outra, o vírus reaparece e tenta se esgueirar por vacinas e infecções prévias, embora a produção de anticorpos se mostre uma poderosa barreira contra o agravamento da doença.

Fora daí, o mundo virou uma montanha-russa de situações que se desfazem como nuvens. Veja-se o caso da rica Dinamarca, que já foi um exemplo de controle da pandemia. Nesta semana, ela liderava a taxa mundial de contágio - média de 153 casos diários por 100 mil habitantes, incríveis 70 vezes a mais do que no Brasil. Alguns podem celebrar a comparação, mas não convém se apressar porque a Dinamarca vacinou mais, testa exaustivamente e, sobretudo, a variante Ômicron ainda não se difundiu por aqui.

Por via das dúvidas, já deveríamos estar há um bom tempo vacinando as crianças de cinco a 11 anos, o principal vetor da súbita disparada da covid na Holanda, que se vê em lockdown na véspera do Natal. A Holanda regrediu quase dois anos porque governo e população erraram. Raros holandeses usavam máscaras em locais fechados, só 30% diziam que pretendiam vacinar os filhos e o comando do enfrentamento à pandemia resistiu à dose de reforço. Quando os holandeses acordaram, já era tarde, e agora, assombrados pela Ômicron, correm atrás de um prejuízo humano e econômico imensurável.

Graças ao sistema de saúde ramificado, a prefeitos e governadores responsáveis, a uma imprensa incansável e a tribunais conscientes, o Brasil passa um Natal relativamente tranquilo. Mas ter um presidente com a mente abotoada por tuítes disparatados e teorias mirabolantes é um risco permanente, como se constata no caso da vacinação de crianças. Jair Bolsonaro é o único chefe de Estado no planeta a crer na "imunidade de rebanho" para enfrentar a covid, uma teoria mais apropriada para a Idade Média, quando não havia outros recursos, e que, se adotada, já poderia ter matado mais de 3 milhões de brasileiros.

A única certeza, portanto, é que é melhor não ter certezas e guarnecer o quanto antes as defesas contra a nova onda.

MARCELO RECH

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