quinta-feira, 30 de dezembro de 2021


30 DE DEZEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Por um 2022 dourado

É preciso tomar cuidado neste dia 31, que vem vindo, e mais ainda no dia 1º, que o sucederá. Porque há quem diga que aquilo que acontece nessa data se repetirá o ano inteiro.

Foi exatamente devido a essa crença que uma turma lá do IAPI passou a madrugada de um 1º de janeiro dos anos 70 jogando bola. A ideia era de que, com essa estratégia, eles jogariam bem durante todo o ano seguinte. Ficou famosa essa história. A todo momento alguém perguntava:

- Sabia que o pessoal do Bloco 1 passou a madrugada da virada do ano jogando bola? Será que vai funcionar? Será que o time deles vai ficar bom?

O Bloco 1, no caso, era da Coorigha, que ficava, e fica ainda, na baixada da Plínio. Não lembro se o time deles melhorou. Tenho de investigar. Se funcionou, vou sugerir o método para a Dupla Gre-Nal, que, há meses, vem necessitando da ajuda das forças transcendentais no seu futebol. Queria ver esses caras tendo de jogar na madrugada do dia 1º.

Descobri, também, que a lua da virada do ano será minguante. Isso significa que tudo o que você pedir nessa noite minguará, ao invés de vicejar. A saída é fazer desejos reversos. Em vez de pedir mais amor, você pedirá menos sofrimento; em vez de pedir mais saúde, você pedirá menos doenças. Não é muito positivo, mas a lua manda, o que é que vamos fazer?

O importante é prestar atenção a todos os detalhes para que tudo dê certo no ano que vem. É preciso pular sete ondinhas? Pularei. É preciso comer 12 uvas? Comerei. Lentilhas? Eu mesmo faço. Sou bom em cozinhar lentilhas, por Deus que sou. O segredo é não ter pressa. Coloco costelinha de porco defumada na lentilha e fico mexendo a mistura com uma colher de pau, para que não grude no fundo da panela. Todos os ingredientes que acrescentei antes vão se mesclando, vão se tornando uma coisa só. Enquanto isso, a carne da costelinha se desgruda do osso e também vai se amalgamando ao resto da alquimia. Então, tiro, com uma colher, os ossos descarnados e continuo mexendo docemente, sem pressa, talvez assobiando Jealous Guy, do John. Em algum tempo, teremos um creme borbulhante, perfumado, saboroso, que você comerá aos suspiros.

Sim, senhor, sou bom de lentilhas.

Há ainda de se ter critério na escolha da cor da cueca. Cada cor tem um significado, é imprescindível pesquisar antes de decidir. Vá ao Google.

Qual terá sido o melhor ano da minha vida? O que eu fiz no primeiro dia deste ano? Ah, lembro dos tempos dourados em que eu era mais jovem. Tive anos divertidos, certamente, anos até gloriosos, pode-se dizer, mas sempre havia, no fundo do meu coração, uma certa inquietude, uma réstia de angústia, uma vontade de viver logo o meu futuro.

Agora, mais velho, estou vivendo o futuro pelo qual esperava. Alguns problemas de saúde que enfrentei me roubaram um pouco das energias e tenho responsabilidades que me aprisionam um tanto. Deveria ser ruim, em comparação com os anos fortes e livres da juventude, mas, curioso, não sinto mais aquela inquietação e nem uma lasca de angústia me machuca a alma. Essa serenidade madura decerto que é uma bela conquista. Como a adquiri? Não estou certo. Talvez com dor. Será que posso mantê-la, em 2022, sem nenhum laivo da dor que a produziu? Oh, Deus, preciso prestar muita atenção aos meus atos no primeiro dia desse ano dourado que virá.

DAVID COIMBRA

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