22 DE DEZEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA
Vou falar algumas verdades
Às vezes me acordo de madrugada e penso: "Tenho de dizer algumas verdades!" Essa ânsia pode me tirar o sono por horas. Fico planejando como direi as verdades, em que momento, se falarei no rádio ou escreverei no jornal, se usarei de veemência, bom senso ou ironia, se serão todas as verdades ou apenas as mais contundentes. As verdades ficam saltitando no meu cérebro, cheias de energia, como se gritassem:
- Queremos sair! Queremos sair!
Depois de algum tempo de agitação, volto a pegar no sono e, de manhã, ao acordar, minha determinação esmoreceu. Argumento comigo mesmo: "Se eu disser algumas verdades vai dar muita confusão, amigos vão brigar comigo, desconhecidos falarão mal de mim nas mesas de bar, gente irritada enviará e-mails de protesto para o jornal". Muita chateação. Muito trabalho. Além disso, o verão acabou de começar, foi ontem, exatamente às 12h59min, e o verão não é a estação adequada para conflitos, sobretudo às vésperas do Natal, do Réveillon, adeus ano velho, feliz ano novo.
Não. Nada disso. É preciso um pouco de parcimônia. Além do mais, minhas férias se iniciarão em breve, e o que quero das minhas férias? Paz. Tranquilidade. Harmonia. Sim, essa é a grande palavra: harmonia.
Ou seja: não posso relaxar. Tenho de manter as verdades sob vigilância severa pelo menos até o fim do ano. Mas como é difícil. A cada despautério que ouço ou leio, as verdades descem da cabeça e vêm me formigar no peito. Vou falar. Vou falar! Aí me acalmo, mudo de assunto, tento esquecer.
Há pessoas que mantêm suas verdades quietas por toda a vida. Como conseguem? Não interessa o que acontece, elas permanecem impassíveis, elas não têm opinião sobre nada. Ou antes: suas opiniões são inofensivas, óbvias e previsíveis. São opiniões pasteurizadas, feitas para não causar alvoroço. Reconheço os méritos desse autocontrole, mas não chego a admirar essas pessoas. Ao contrário: elas parecem inconfiáveis, porque nunca sei exatamente o que estão pensando.
Eu, não. Eu preciso falar. Isso significa que não conseguirei manter minhas verdades confinadas por muito tempo. Acabarei falando, mas pelo menos que seja depois das férias.
Tenho de arranjar distrações. Por exemplo: os comerciais de rádio e TV de fim de ano. Todo aquele sentimentalismo, estrelinhas rebrilhando, a magia do Natal. A intenção dessas peças de fim de ano é comover as pessoas com mensagens estuantes de bondade, otimismo e sentimentos nobres. Argh! Será que as pessoas não veem que é tudo comércio, que é tudo cínico, que a realidade não está ali? Oh, Deus, é preciso lhes dizer verdades. Como preciso falar algumas verdades!
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