segunda-feira, 27 de dezembro de 2021



27 DE DEZEMBRO DE 2021
CÍNTIA MOSCOVICH

"Elefantes no Céu de Piedade"

Uma reconstrução de época feita a preceito dentro de uma narrativa cheia de elipses, conjunto que, ao mesmo tempo em que joga luz sobre um tenebroso período da história do país, vai também enredando seu leitor em suspense e tensão. Assim é Elefantes no Céu de Piedade (ed. Patuá), quinto livro do carioca Fernando Molica - e do qual me orgulho de ter feito a orelha.

Passado no início dos anos 1970, na dureza do regime militar, envolvendo uma família do bairro de Piedade, subúrbio carioca, o livro é narrado por Francisco, filho de Jorge e Eneida, casal que incensa a política da época. Grande trunfo de Molica, tal narrador, um rapazinho de olhar espantado e ingênuo, testemunha os acontecimentos que têm lugar assim que um primo capixaba, Carlos Alberto ou Cacá, instala-se na casa da família para um suposto, e misteriosíssimo, tratamento de saúde.

A partir daí, Molica empreende um lindo esforço para recuperar os elementos de época, reunindo um acervo de utensílios, canções e carros - é notável o capítulo de abertura em que o autor conta a experiência de andar no Opala verde recém-comprado pelo pai, além de esmiuçar todos os detalhes construtivos da nova casa, vizinha à avenida Suburbana, que o "milagre econômico" propiciou que a família adquirisse.

As tensões geradas pela presença de Cacá e o envolvimento de um familiar próximo num pouco esclarecido assalto a banco geram conversas das quais Francisco e as irmãs estão banidos mas que seguram e atiçam o interesse do enredo. Quando Francisco fica sabendo que o primo não está doente de verdade e que a polícia política anda em seu encalço, os fatos se precipitam e se desenvolvem de forma trepidante até culminar num desenlace inesperado.

Criado no bairro de Piedade, jornalista com passagem pelos principais veículos de imprensa do país, Molica é autor, entre outros, de Notícias do Mirandão e Bandeira Negra, Amor, obras que lhe valeram duas indicações ao prêmio Jabuti. Eis aí uma maneira para começar o ano a bordo de excelente literatura.

Feliz 2022!

CÍNTIA MOSCOVICH

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