sexta-feira, 31 de julho de 2020



31 DE JULHO DE 2020
DAVID COIMBRA

As semelhanças entre Dilma e Bolsonaro

Dilma ficou famosa por seus discursos atrapalhados, mas em muitos casos foi injustiçada. Dilma é uma mulher culta e, quando presidente, sabia do que falava. O problema era a forma. Ela não é uma oradora. Não é como Lula, que se criou discursando nas assembleias dos metalúrgicos e dando entrevistas ao vivo para rádio, jornal e TV. Dilma nunca deveria falar em público sem ensaio ou sem texto escrito previamente, com revisão de assessores. O improviso, para ela, foi trágico.

O famoso discurso do estoque de vento, por exemplo. Ela disse algo sensato, naquela oportunidade. Disse que, hoje, a energia mais barata é a hidrelétrica, sobretudo porque, até agora, ninguém inventou tecnologia para estocar vento. Perfeito. Só que, como sua imagem de emissora de bobagens já estava formada, foi fácil para seus detratores separar um pedaço da frase, editar e propalar: "Dilma agora quer estocar vento".

Outra: a célebre saudação à mandioca. A mandioca, ou macaxeira, ou aipim, é, de fato, importantíssima para a sobrevivência dos povos indígenas. A mandioca é a base da alimentação de muitas tribos no interior do país. Mas a presidente anunciar, em um discurso, que vai fazer uma saudação à mandioca é temerário, num país brejeiro como o Brasil. Seria como fazer uma saudação à linguiça, ao pepino, ao salame, à mortadela. Certas imagens precisam ser evitadas, porque ficam ridículas. Ficou ridículo. Não havia nenhum assessor que avisasse Dilma dessa obviedade? "Olha, acho que é melhor a senhora não saudar a mandioca... Vai ficar estranho..." Não entendo como não tinha ninguém para fazer essa advertência básica.

Bolsonaro, que odeia Dilma, padece do mesmo mal que ela. Ele também é mau orador. Dilma gaguejava e acavalava os pensamentos. Bolsonaro tem péssima pronúncia, come sílabas com voracidade e é excessivamente informal em suas manifestações. Mas o pior de Bolsonaro não é a retórica; é o objeto da retórica. Ele se põe a defender bandeiras que, além de serem inúteis, muitas vezes se tornam nocivas para o exercício da presidência. Por que não se concentrar nos problemas graves do Brasil, que são da sua alçada?

Qual é o objetivo, por exemplo, da campanha em favor da cloroquina? Ele não conhece o assunto e suas declarações apenas politizam um tema que deveria ser exclusivamente técnico. O uso de um remédio não é estratégico no combate à peste; é tático. É o médico, ao pé do leito do paciente, que decidirá se usará ou não a cloroquina, e ninguém mais.

Dias atrás, porém, Bolsonaro falou algo correto a respeito, e foi ridicularizado. Ele disse que a ciência não tem provas de que a cloroquina funciona contra a covid, nem que não funciona. E é verdade. As pesquisas que foram divulgadas recentemente, provando que a cloroquina não funciona para doentes internados em hospital, mostram exatamente isso: ela não funciona EM DOENTES INTERNADOS EM HOSPITAL. Ou seja: para quem já está em estado grave. Bolsonaro queria dizer que há médicos que receitam a cloroquina logo aos primeiros sinais da doença, quando ainda nem se tem certeza se há mesmo infecção pelo coronavírus, e que ninguém sabe se, nesses casos, ela é efetiva ou não.

Isso é fato. Ninguém conhece ainda o efeito da cloroquina ou de outros remédios em casos iniciais da covid-19. Porque ainda não há pesquisas a propósito. Logo, Bolsonaro não errou no seu argumento sobre o tema. O erro é ele argumentar sobre o tema. Por que defender um remédio, se nem médico ele é? Essa insistência confunde inclusive pesquisas que possam identificar méritos do remédio em alguma fase do tratamento.

Dilma errava na forma. Bolsonaro erra no conteúdo. Errados, ambos. Mas quem mais paga por esses erros é você.

DAVID COIMBRA

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