18 DE JULHO DE 2020
DRAUZIO VARELLA
A máscara
Sete razões que justificam a revolta de quem vê, nas ruas, gente sem proteção contra o vírus
Médico, cientista e escritor | drauziovarella.com.br
Dizem que Deus limitou a inteligência dos homens para que não invadissem Seus domínios. Por que diabos não estabeleceu limites também para a ignorância?
É revoltante ver tanta gente sem máscara pelas cidades. Qual é a dessas pessoas? Não sabem que há uma pandemia? É por que não acreditam em vírus, seres minúsculos que os olhos não enxergam?
Andar sem máscara no meio dos outros revolta as pessoas de bom senso, pelas seguintes razões:
1) Em 50 anos de medicina, vi chegar diversas epidemias, mas nenhuma em que o microrganismo provocasse tal variedade de apresentações clínicas: até 40% dos infectados permanecem sem desconfiar que carregam o vírus. Entre os demais, o quadro vai da tal "gripezinha" oligossintomática, a uma doença grave que evolui com insuficiência respiratória, intubação, ventilação mecânica e, eventualmente, morte.
2) Nesse cenário, prezado leitor, você considera a obrigatoriedade da máscara um desrespeito à sua liberdade? É mesmo? Medidas sanitárias que proíbem esvaziar os intestinos nas ruas também devem ser revogadas? Você reivindicaria no prédio em que mora, o direito de urinar no elevador?
3) Embora a mortalidade seja mais alta entre os que fazem parte dos chamados grupos de risco (mais de 60 anos, pressão alta, diabetes, obesidade, etc.), também morrem jovens saudáveis, com peso corpóreo na faixa da normalidade. Você decerto acha que só acontece com os outros.
4) Você é defensor convicto do isolamento vertical, em que crianças voltam para a escola e os jovens podem se expor à vontade, desde que os mais velhos fiquem em casa? Que ideia brilhante. Incrível como Alemanha, França, Itália, Noruega e a Nova Zelândia não pensaram nisso. Não seria por que crianças e jovens podem ter irmãos obesos, pais e avós?
5) Quem sabe, você é um daqueles iluminados que diz: "E daí? Se eu pegar o vírus, o problema é meu". Não é apenas seu. Mesmo se tiver a sorte de ficar assintomático, você garante que não será um transmissor ambulante que levará sofrimento e morte aos mais vulneráveis?
6) Se, por acaso, você for daquelas pessoas meio azaradas que pegam o vírus e acabam nos hospitais, quem arcará com as despesas? Sua família? O SUS? O plano de saúde? Em qualquer caso, cairá nas costas de alguém a conta da sua irresponsabilidade.
7) Desculpe, mas não te incomoda pegar o vírus por um capricho pessoal e expor ao contágio seus familiares, os amigos e os profissionais de saúde que vão atender no hospital um egocêntrico como você?
Quando a epidemia chegou, já sabíamos que havia quatro medidas de prevenção com eficácia comprovada nos países que nos antecederam: testagem, isolamento social, higiene das mãos e uso de máscaras.
É evidente que caberia ao Ministério da Saúde a coordenação de um esforço nacional, em conjunto com os governadores e prefeitos, para acompanhar a disseminação da doença, equipar e preparar o SUS da melhor forma possível e orientar a população para impedir a falência dos serviços de saúde.
Nessa hora crucial, no entanto, não dispúnhamos de testes para identificar os infectados e os que haviam adquirido o vírus no contato com eles, para que pudéssemos isolá-los de modo a interromper a transmissão em cadeia.
Para complicar, a autoridade máxima da República concluiu por conta própria que a fome seria mais mortal do que o coronavírus, condenou o isolamento, menosprezou a gravidade da doença, propôs que saíssemos às ruas de peito aberto, promoveu aglomerações políticas, eximiu-se de qualquer responsabilidade em relação às mortes, adotou a cloroquina como arma de combate e fez questão de exibir o rosto sem máscara.
Ao ultrapassarmos 60 mil mortes, está evidente que a volta das aglomerações promove o colapso do sistema de saúde e aumenta o número de óbitos de forma tão direta, que várias cidades têm sido forçadas a decretar a volta do confinamento, depois da abertura do comércio.
Não é o isolamento social, mas o coronavírus, o causador da crise que fará o PIB brasileiro regredir a níveis de uma década atrás. Em pleno surto epidêmico, imaginar que a população irá às compras para ativar a economia é pensamento mágico.
Há poucos dias, ao som de um sanfoneiro aprendiz, com a emoção de quem lê um extrato bancário, o presidente manifestou pela primeira vez solidariedade às famílias dos que perderam a vida. Antes tarde.
DRAUZIO VARELLA
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