quarta-feira, 22 de julho de 2020



22 DE JULHO DE 2020

DAVID COIMBRA


Contra ou a favor do isolamento?


Raciocinar é coisa arriscada hoje em dia. Isso de considerar, de tentar compreender as gradações entre dois extremos. Você não deve tentar ser ponderado se quiser se dar bem no mundo atual. O melhor é escolher uma tese já pronta e se aferrar a ela. Seja contra ou a favor, nunca leve a mão ao queixo e diga: "Bem...".

Isso vale para o debate acerca da pandemia de coronavírus, que nos amassa, amola e assola em 2020. Existem muitas variantes nessa discussão.

Assisti ao Roda Viva com o governador Eduardo Leite, na noite de segunda-feira. A Kelly Matos foi uma das entrevistadoras e me encheu de orgulho de amigo com suas perguntas percucientes e agudas. Kelly foi dura, sem perder a ternura. E o governador se saiu bem nas respostas. Ele é um jovem, está com 35 anos, mas não perde o controle, tem raciocínio rápido e captura a simpatia de quem o ouve por ser sempre educado e jamais usar de sarcasmo para diminuir os outros.

Acavalado nessas virtudes, Eduardo Leite tentou ser ponderado na análise do combate ao coronavírus, durante o programa. Reconheceu que o que está em jogo não é apenas um confronto de prioridades entre economia e saúde. Porque a saúde influencia na economia e a economia influencia na saúde.

Tome os índices dos lugares mais pobres do país e você verá que lá é onde as pessoas adoecem mais e morrem mais cedo. A luta contra a peste tem de levar essas complexidades em consideração. Afinal, não é só a eliminação do vírus que importa; o que importa é o bem-estar das pessoas. Portanto, a palavra sábia de epidemiologistas e infectologistas não é a única que deve ser ouvida. Há mais personagens envolvidos nessa trama.

Tenho feito arrazoados que tais desde o começo da pandemia, nos calores do verão. Mas, como já disse, pensar é tarefa difícil no Brasil. Entre nós, a pandemia foi politizada, sobretudo por causa da atuação do sempre polêmico presidente da República. Assim, emprega-se, no país, um silogismo de pé quebrado:

"Bolsonaro é a favor de abrir tudo e de que todos tomem cloroquina.

Sou contra Bolsonaro. Logo, sou a favor de fechar tudo e de que a cloroquina seja proibida".

Ou o contrário: "Bolsonaro é a favor de abrir tudo e de que todos tomem cloroquina.

Sou a favor de Bolsonaro. Logo, quero que abram tudo e que todos tomem cloroquina".

Essa fórmula vale não apenas no que se refere diretamente a Bolsonaro. Vale em tudo o mais. No Rio Grande do Sul, Leite e os prefeitos acertaram e erraram no combate ao coronavírus. É o que venho apontando. Questiono, sim, as autoridades, porque não tenho certeza de que todas as medidas que elas tomam são corretas. Você tem? É certo tudo o que foi feito até agora? Poderíamos ter feito mais? Se houve erros, quais são? Podemos mudar? Podemos melhorar?

Faço essas perguntas e continuarei fazendo. Mas nunca fui contra o isolamento como estratégia de combate à peste. Historicamente, desde a Antiguidade, o isolamento é a primeira medida que se toma em surtos de doenças contagiosas, quando a ciência não oferece outra solução.

Preciso reforçar isso, porque muitas pessoas se confundem quando questiono os tipos de isolamento. O que digo, e repito, é que impor isolamento geral e irrestrito dá menos trabalho e talvez dê mais resultados, mas pode gerar efeitos colaterais bem mais graves. Alguns irrecuperáveis. Podemos setorizar o isolamento? Podemos usar outros critérios? Ainda há espaço para essa manobra? Ou já é tarde demais?

É o que gostaria de saber. É preciso dosar o remédio. É preciso pensar antes de fazer. Mas como é impopular pensar, no Brasil.


DAVID COIMBRA

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