quarta-feira, 15 de julho de 2020


15 DE JULHO DE 2020
MARIO CORSO

A psicologia do brinde


Vou denunciar minha idade: eu esperava ansiosamente a hora do Toddy, para ver quando apareceria o brinde: um indiozinho de plástico enterrado no pó do produto. Meu interesse era maior neste "a mais" do que no achocolatado.

Não é de hoje vender brinquedo junto com a comida, como os lanches infantis do McDonald?s. A versão mais acabada dessa tendência é o Kinder Ovo, afinal, é para comer ou para brincar? Muitos pais se revoltam com essa artimanha. Não são tolos, sabem que pagam caro pelo brinde, um ônus extra desnecessário.

Resmungar pelo gasto é válido, mas a questão tem outra volta. Melhor é se perguntar pelo entusiasmo das crianças. Algumas delas já possuem brinquedos aos magotes, que querem com um menos sofisticado do que os que estão no seu quarto?

A resposta é que o brinde junto com a comida dilui a importância da própria comida. Lembra aquela música dos Titãs: a gente não quer só comida... é nesse sentido. O brinde demonstra que a pulsão oral não satisfaz por completo. É preciso algo a mais, algo que complemente o que a comida não entrega.

A alta gastronomia vai nessa direção. Uma comida enfeitada, refinada, com mais discurso do que substância, diz o mesmo: o que engoles não te satisfará, precisas de algo mais. O contraexemplo está no sobrepeso. Pessoas que sofrem com isso, entre outros fatores, são aquelas que acreditam que a comida deveria satisfazer em si. Como ela não entrega o que promete, o "a mais" é a própria porção extra.

Portanto, toda dita "frescura" que acompanha a comida é uma maneira de domar o excesso que a pulsão oral pode desencadear. Quanto mais firulas, quanto mais rituais, menos calorias ingeridas, e mais satisfação no ato de comer.

Nem para o bebê, comida é apenas comida. Os pequenos não perdoam a distração do olhar materno ao mamar. É precisamente aí que se inaugura um padrão de alimentação, marcado pelo algo "a mais" que ganhamos.

Mesmo enganoso, o brinde é a promessa da satisfação que nos falta. O brinde tanto traduz quanto denuncia que a comida não é tudo. As crianças estão à mercê de seus adultos, ansiosos com o que elas comem. Não raro, tentam alimentá-las em excesso. O brinde pode ser uma tentativa de barrar o exagero parental. Algo que as defende da exigência de comer quando já estão satisfeitas. Para grandes e pequenos, viver é conviver com alguma "fome", aplacada pelo indiozinho de plástico que acompanhava meu Toddy.

MÁRIO CORSO

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