sexta-feira, 24 de julho de 2020


24 DE JULHO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

UMA NOVA DERRAMA


Talvez pressionado para mostrar serviço após tantas promessas frustradas, desde o ano passado, de apresentar uma proposta de reforma tributária, o ministro Paulo Guedes brindou o país com uma ideia infeliz que pode mais atrapalhar do que ajudar neste momento de penosa recuperação da economia. O cerne da questão está no fato de o projeto elevar a carga sobre o segmento de serviços, um dos mais prejudicados pela pandemia, o que mais emprega e é responsável por cerca de 70% do PIB brasileiro. Beira o inacreditável acenar com aumento de impostos quando as empresas desse ramo estão virtualmente nocauteadas pela pancada da paralisação de grande parte de suas atividades por vários meses devido às medidas de isolamento social.

Há méritos na proposta de Guedes, como uma certa simplificação, mesmo que tímida, mas ainda mais neste momento não se justifica a elevação de alíquotas para os negócios que têm maior peso na economia do país e mais demandam mão de obra. Onerá-los terá certamente um efeito nefasto, pois é evidente que terão pouca ou nenhuma margem para repassar esse aumento de custos. E, se o fizerem, será o consumidor o penalizado.

Sem entrar muito em detalhes, a proposta de Guedes, que seria a primeira de quatro etapas, prevê a unificação de PIS e Cofins em um só tributo, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Prestadores de serviços que estão no lucro presumido, por exemplo, teriam um aumento da tributação de 3,65% para 12%. São diversas atividades atingidas. O mesmo ocorre com indústria e comércio, mas, de forma diferente desses dois, o setor não tem uma cadeia longa de fornecedores e, por isso, não conseguiria se beneficiar dos créditos gerados em etapas anteriores.

É de se questionar, portanto, se o governo - nada diferente de gestões anteriores - não estaria mais preocupado em garantir e aumentar a sua arrecadação, algo que lembra o regime de Derrama imposto pela coroa portuguesa ao Brasil Colônia. Guedes sinaliza com medidas para desonerar a folha de pagamento mais à frente, mas para isso dependeria da aprovação de um novo tributo sobre transações eletrônicas semelhante à finada CPMF, algo rechaçado pela sociedade e difícil de passar no Congresso. Pelo histórico de promessas e prazos descumpridos, a credibilidade do governo neste ponto não é das maiores.

A simplificação, como já dito, é bem-vinda. Mas tramitam no Congresso duas propostas que, em vez de dois tributos, unificariam cinco (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) em um só imposto. Estão mais adiantadas e são mais abrangentes, incluindo um imposto estadual e um municipal. O Brasil precisaria de algo mais ousado, e não tão modesto quanto o projeto apresentado pelo Executivo, que embute o risco de esfolar ainda mais o setor que é o carro-chefe da economia brasileira.

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