17 DE JULHO DE 2020
DAVID COIMBRA
Como fazer sucesso na direita ou na esquerda
As eleições estão chegando. Se você quiser ser candidato, tem de prestar atenção em certas regras de comportamento e opinião, a fim de ter bom sucesso. Consultei especialistas com o objetivo de formular um pequeno manual para ajudá-lo. Aí vão alguns dos ensinamentos que colhi.
Bem. Tudo depende do tipo de candidato que você pretende ser. Direita ou esquerda? Se for mais à esquerda, fique vigilante. Observe com atenção o que as outras pessoas fazem. Ao identificar qualquer atitude dúbia delas em relação a negros, gays ou mulheres, acuse-as de racismo, homofobia ou machismo. Isso é fácil de fazer, mesmo que a atitude da vítima não seja condenável em si, porque você pode usar a palavrinha mágica: "estrutural". Esse é um termo muito útil, porque é vago. Tudo pode ser estrutural. Qualquer frase ou ação que diga respeito, por exemplo, a mulheres pode ser classificada como machismo estrutural.
Digamos que alguém comente: "As bailarinas do Faustão são maravilhosas". Não perca a oportunidade. Escreva um post no Twitter dizendo que essa pessoa está "reificando" as mulheres, que ela acha natural que jovens seminuas sejam exibidas na TV como mercadorias. O mesmo pode ser feito com qualquer frase dita sobre gays ou negros. Ah, ou índios. Não se esqueça dos índios, "os verdadeiros donos da terra", aquela coisa.
O índio passa uma imagem de inocência, sempre pega bem defender o índio. Outros que devem estar na sua pauta são os pobres. Qualquer história edificante com pobres é comovente. Mas o melhor é falar do seu passado pobre, tipo: "Meu pai era analfabeto e nunca comeu camarão, mas era um homem honesto, que me ensinou que a honestidade não é uma qualidade, é um dever". Que frase, hein! Que frase! Essa do camarão é ótima. Pode usar.
Agora, caso você pretenda ser um candidato de direita, fique mais atento ao noticiário. Se um bandido é preso por latrocínio, publique a foto dele na rede social e comente com ironia: "Mais uma vítima da sociedade". Ou: "Matou um pai de família por causa da injustiça social". Se o bandido foi, por acaso, morto em um tiroteio com a polícia, o comentário padrão é: "Chamem a Maria do Rosário para defender esse coitadinho".
Aliás, eis um nome importante a explorar, para quem é da direita: Maria do Rosário. Sempre que houver alguma incoerência da Maria do Rosário para apontar, aponte com firmeza e sarcasmo. É barbada, porque todos somos incoerentes em algum momento, e a Maria do Rosário não é uma parlamentar, não é uma mulher: é um símbolo de defesa dos direitos humanos, e as pessoas de direita em geral não gostam dos direitos humanos, mesmo que as pessoas de direita em geral sejam humanas.
Há algo que une candidatos de direita e de esquerda: cachorros. Fale dos cachorros, publique fotos em que você abraça um e, se por acaso um pitbull estraçalhar o rosto de uma criança, como costuma acontecer, bote a culpa no dono, nunca no cachorro. É o dono que tratou mal o cachorro ou não o controlou e tal.
Mas o que é realmente decisivo, o que é realmente fundamental é você compreender que, sendo de direita, de esquerda ou de centro, você nunca, jamais, em tempo algum deve tentar fazer ponderações a respeito de qualquer assunto. Você deve ser preto ou branco, deve dizer sim ou não. Seja a favor ou contra, não ouse fazer considerações ou abordagens com nuances. Nada mais desgastante para o homem público do que raciocinar a propósito de um tema. Até porque é desnecessário, é uma perda de tempo: as teses já estão prontas. Escolha uma e defenda-a até a morte. Ou até mudar de partido. Aí você troca de opinião. Lembre-se que a política, meu caro candidato, é dinâmica.
DAVID COIMBRA
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