sábado, 11 de julho de 2020



11 DE JULHO DE 2020
LYA LUFT

Sem assunto

Alguém vai pular e dizer: ué, essa doida começa a escrever dizendo que não tem assunto?

Pois é, meus leitores, meus amados amigos imaginários (nem todos me amam de volta), eventualmente se começa assim o dia, o livro, o trabalho, o roteiro nas ruas, o artigo novo. Se temos assuntos demais, escolher o quê? A pandemia tão espantosa sobre a qual já nem se sabe o que dizer exceto "se cuida, usa máscara, evita grupos maiores, fica em casa se puder"? Ou os desgovernos pelo mundo, com alguns líderes bizarros que levam muita gente a atitudes ruins?

Não sei, ainda não achei direito o assunto desta coluna, mas, isso eu sei, ele está dentro de mim como um passarinho no seu toco de árvore ou ninho, esperando que eu me distraia pra voar e pousar aqui, no teclado do meu computador.

Claro que não é sempre assim: na maioria das vezes, eu sento aqui com ideia clara do que vou escrever, ou dois, três assuntos para escolher na hora. Mesmo não sendo dos escritores mais disciplinados e organizados, dos respeitáveis que escrevem certo número de páginas por dia mesmo sem ter assunto algum, não sou totalmente caótica.

Porque também trabalho com arte - literatura é arte, gente... - precisa certa arrumação para que palavras e frases não saiam voando feito um bando de morcegos atabalhoados. Aliás, corrijo: parece que os bichinhos famigerados voam em absoluta ordem com seus radares pela noite onde tudo enxergam e sentem. Ao contrário de nós, tantas vezes andando às cegas, nos debatendo, esperneando, errando o caminho e teimando em ficar naquela direção... às vezes, sim, voltando pro rumo melhor quase sem acreditar que, sozinhos ou com ajuda, enfim vamos em frente para algum tipo de destino.

Talvez eu esteja falando em destino. Esse novelo estranho que se arma quando somos concebidos, e se desenrola a vida inteira, às vezes amarrado em nossos tornozelos e nos fazendo cair, e por fim acaba, último milímetro de fio, no chamado último suspiro.

Somos essa duplicidade: destino e escolhas. Não somos inteiramente inocentes, bem que seria bom, alguém ser o culpado de tudo, não nós, com nossa teimosia, arrogância, ignorância, precipitação ou apenas fragilidade, porque somos umas frágeis criaturas mesmo quando gritamos e batemos pé. Talvez, quando mais frágeis, mais gritamos e nos debatemos. Porque o comecinho da sabedoria de vida, que em geral vem com a idade - mas à vezes nem com ela aparece - e é tranquila e discreta quando se afirma.

Destino, sim: às vezes a vida parece uma tragédia grega, vemos isso não só na nossa particular, mas em milhares neste mundo, com gente morrendo, vários de uma família, com essa Peste ainda enigmática que nos assola. Outras vezes, por exemplo, quando nos recusamos a nos cuidar, a nos preservar, a praticar alguns pequenos incômodos como usar máscara ou ficar em casa se não é essencial sair: aí, meus amados, a escolha é nossa, e não é tragédia: é ignorância.

E não é que tive assunto?

LYA LUFT

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