Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
segunda-feira, 30 de setembro de 2013
LUIZ FELIPE PONDÉ
Uma mulher linda
A pergunta que mata de medo as mulheres é: afinal, o que quer o homem numa mulher?
Recentemente participei de um debate sobre a trilogia "Cinquenta Tons".
Muitas críticas: típico best-seller que identifica um drama universal (o amor) e propõe uma solução "easy" (seja sadomasô light e o casamento virá); a srta. Steele (a heroína) não está a altura de Lady Chatterley (de D.H. Lawrence) nem das irmãs Justine e Juliette (do Marquês de Sade) nem da personagem de "História de O" (de Anne Desclos, sob o pseudônimo Pauline Réage), porque a srta. Steele se vende por um MacBook Pro, enquanto as outras são para valer. Tudo verdade.
O maior pecado de "Cinquenta Tons" é que ele vende uma fantasia: o homem ideal. Christian Grey é rico, bonito, inteligente, viril, experiente. Mas o fato é que as mulheres desejam mesmo homens fortes, viris, sensíveis até a página três, ricos não só de grana. Enfim, "Cinquenta Tons" vende porque fala para todas as mulheres, bobas, ignorantes, cultas ou críticas. Mas, como virou moda mentir, ninguém confessa.
Dias depois do debate, revi um filme idiota americano (como "Cinquenta Tons"), em que um milionário fodão (interpretado por Richard Gere) contrata uma garota de programa (Julia Roberts, ah! Se todas fossem iguais a você, Julia, que maravilha viver...) e acabam se apaixonando. Claro, o filme é "Uma Linda Mulher". A fórmula clara da gata borralheira do sexo que vira a esposa Cinderela.
Mas o longa é muito mais do que isso. Diante da crítica histérica de que é mais um filme machista (que sono...), vale notar que ele faz a pergunta que mata de medo as mulheres: afinal, o que quer o homem numa mulher?
Dirão as apressadas que o homem quer que a mulher traga uma cerveja e venha pelada. Errado: melhor de calcinha e salto alto. Seria a superficialidade masculina o último bastião da ideologia "dominante"? Bastião este que agrada a todas as mulheres porque as acalma: os homens só querem uma bunda!
O filme toca num tema atávico que deixa mesmo as meninas "críticas" de cabelo em pé: seria a garota de programa a mulher ideal?
O personagem de Gere é fodão. Ele sabe o que os fodões sabem: o mundo é repetitivo, e as pessoas são previsíveis. Querem dinheiro, reconhecimento e "serviços", e fazem qualquer coisa para conseguir, embora neguem.
Se, no fundo, todos estão à venda por "um programa" de sucesso, melhor sair com alguém mais honesto: a garota de programa é a mulher menos cara do mundo. Ela "só" quer dinheiro, e isso às vezes é uma bênção. Ela é a mulher ideal porque é a única diante da qual o homem relaxa.
Afinal, o que quer o homem numa mulher? Num dado momento do filme, Gere diz à bela Roberts: "As pessoas são previsíveis, mas você me surpreendeu" (não vou contar detalhes).
Não devemos menosprezar essa fala e o que acontece depois, o apaixonar-se pela garota de programa. Gere sabe o que diz: as pessoas são mesmo previsíveis. Mas hoje a moda é dizer que são todas "únicas".
La Roberts encanta o fodão porque ela não é óbvia, e a mulher óbvia só quer fodões.
Graças a ela, ele rompe o ciclo da desconfiança causada pela obviedade das mulheres, e graças a ele, ela se cansa de ser puta, porque a puta não é uma mulher de verdade.
Os homens sentem que as mulheres querem deles apenas sucesso (em todos os sentidos). Mas hoje virou moda dizer que isso não é verdade. Ficou pior porque continua sendo verdade, mas, quando o cara sente isso, ele deve se sentir um machista porque sabe disso.
O homem quer uma mulher para quem ele não tenha que ser o sr. Grey, mas a mulher não perdoa um homem fraco. A garota de programa perdoa porque "só" quer dinheiro.
A fraqueza masculina aniquila o desejo da mulher. Mas, como essa mulher ideal não existe (assim como o sr. Grey), o ideal acaba ficando colado ao corpo irreal da namorada "paga".
Mesmo sabendo que sr. Grey (um fodão) não existe, as mulheres não suportam homens que não se pareçam com ele, e esta é a verdade suprema de "Cinquenta Tons".
Por fim: uma amiga minha, psicóloga, me disse que muitos dos seus pacientes vêm ao consultório falar de como suas mães (fálicas) destroem seus pais (fracos).
São essas mulheres fálicas, segundo ela, que à noite gemem de solidão sonhando com o sr. Grey.
Óbvio?
ponde.folha@uol.com.br
30
de setembro de 2013 | N° 17569
ARTIGOS
- Paulo Brossard*
Impropriedade não é altivez
Pretendia
escrever sobre assuntos bem diferentes dos que estou agora a ocupar-me, mas fui
praticamente obrigado a fazê-lo considerando a passagem da senhora presidente
da República pelos altiplanos da Assembleia Geral da ONU. A despeito de suas
debilidades, aliás, desde sua constituição decorrentes da reserva do poder de
veto reservada a cinco Estados, a ONU não se libertou até agora dessa mácula.
Contudo,
nela continua a existir a tribuna de caráter mundial da qual o Brasil tem o
privilégio de ocupar na abertura dos trabalhos da Assembleia Geral, como legado
de um alegretense que reunia ao talento a bravura e a ambos o fascínio de sua
personalidade de escol: a Osvaldo Aranha se deve essa prerrogativa. Isto posto,
nada mais natural que nessa ocasião nosso país seja representado pelo chefe do
Estado.
Não
faz muito tempo, foi amplamente divulgado que a senhora presidente pensava em
suspender a viagem aos Estados Unidos a convite daquele país e sem demora a
suspensão foi convertida em cancelamento. Ao mesmo tempo, foi descoberto o
acesso de fontes americanas a assuntos referentes ao nosso país, fato objeto de
ampla publicidade.
Ambas
as ocorrências foram noticiadas reiteradamente como alvo do discurso a ser
proferido pela senhora presidente na oração que deveria pronunciar ao ser
aberta a Assembleia Geral, o que foi confirmado. Ocorre que a novidade
descoberta não se sabe se pela senhora presidente, se pelo Itamaraty ou pelo
inominado assessor especial da presidência, de novidade não tinha nada.
Esses
dados me parecem significativos, pois sucessivamente divulgados de maneira a
dar caráter internacional a um expediente de evidente endereço eleitoral que,
aliás, tem sido reconhecido por gregos e troianos; saliente-se que depois da
queda de popularidade da senhora presidente, seu marqueteiro, também conhecido
como quadragésimo ministro, prometia recuperar a popularidade perdida em coisa
de quatro meses.
De
modo que até a xingação, aqui anunciada antes do discurso da Assembleia Geral e
por todos os meios de comunicação; ao ser confirmada, era público, não
surpreendeu a ninguém; não estranha por conseguinte que nenhuma autoridade
americana de média importância que fosse estava presente, o que era
compreensível dado que o teor da peça era de todos conhecido?
O
tom inadequado do discurso soa como tentativa de exibir suposta altivez, quando
se destinava a fins internos e meramente eleitorais. E assim veio a ser
entendida de maneira geral.
Nesta
altura, o que me parece de particular importância é saber se o Itamaraty
inspirou ou acompanhou o plano, ou se foi ele concebido pela senhora presidente
com ou sem a colaboração de seu assessor especial, ainda que, qualquer que seja
a resposta, o fato é de suma gravidade; contudo, o interesse nacional reclama que
esse ponto seja esclarecido. Se o Itamaraty tinha conhecimento mais diminuído
fica ele, fenômeno que tem sido apontado particularmente por diplomatas de alta
expressão.
Depois
da xingação veio a louvação. A senhora presidente prosseguiu fazendo o elogio
do seu próprio governo com a pretensão de incentivar investimentos
estrangeiros. Com todas as vênias, parece-me que o expediente chega às raias da
infantilidade, até porque os eventuais investidores além de cientes da situação
interna e externa do país, seguramente são leitores, entre outras publicações
de circulação internacional, de The Economist.
Em
síntese, o discurso proferido em Nova York se destinava à pretendida reeleição.
Convém lembrar que, não faz muito, a senhora presidente declarou sem rebuços
que na campanha ela seria uma “fera”...
*JURISTA,
MINISTRO APOSENTADO DO STF
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de setembro de 2013 | N° 17569
LIBERATO
VIEIRA DA CUNHA
Encontro marcado
Sem
que percebas, cada dia teu é um passo rumo a incerto fim. Foi assim na noite em
que adormeceste exausto, na nfância, depois de te investires cem vezes da
coragem do soldado, da ousadia do ladrão, sob a mirada de inveja da Lua, que
transitava no céu da cidade que perdeste.
Foi
assim na manhã em que, na adolescência, recém calados os acordes da festa,
desafiaste as vagas daquele trecho irado de mar e uma secreta corrente testou
tuas forças e quase te aprisionou em ocultos vórtices, onde moram corais e
celacantos.
E
foi assim na culpada tarde de tua primeira juventude em que desfaleceste,
saciado, no corpo nu de tua proibida amada e ela murmurou teu nome numa canção
de adeus.
Aqui
devo fazer ponto e vírgula.
Esse
texto aí em cima é o início de uma das 99 crônicas que compõem meu novo livro,
O Silêncio do Mundo. É a senha de um encontro que marco com meus leitores para
amanhã, às 19h, na Livraria Saraiva do Shopping Moinhos.
Tive
muito prazer em construí-lo. Reli, algo nostálgico, mais de 600 trabalhos
publicados nestas páginas de Zero Hora entre 2002 e o ano que vai fluindo para
escolher os selecionados. Foi uma viagem agradável com a única bússola das
frases e parágrafos que me falavam mais direto ao coração.
Escrever
crônicas é viver em voz alta, já dizia Rubem Braga. Ao reunir essas, dispersas
por 11 anos, percebi que foi o que me aconteceu. Notei também que nunca me
desnudei tanto. Falo, em O Silêncio do Mundo, de pessoas muito caras e muito
próximas; de cenas, momentos, faces, vozes, lembranças que se encadeiam no tom
de uma biografia interior; de vivências que no geral não se partilham. Teria
sido mais fácil pôr de lado incidentes e passagens mais reveladoras do homem
que sou, do que é minha caminhada pelo mundo. Preferi mantê-los, ou faltariam
peças do jogo de armar do autorretrato.
Paro
por aqui. Estas linhas me parecem de repente sérias. A vida não é séria.
A
vida também se compõe de umas doses de lirismo, de uns traços de humor, de
vinho e canto.
Não
cometi o pecado de esquecer essa parte da receita.
30
de setembro de 2013 | N° 17569
PAULO
SANT’ANA
Ópera bufa
Refletindo
melhor, foi brilhante a atitude do ministro Celso de Mello ao dar voto decisivo
a favor dos mensaleiros pelos embargos infringentes.
Ele
conseguiu jogar para a plateia antes, quando condenou rigorosamente todos os
mensaleiros, inclusive José Dirceu, mas também agora jogou para adular o poder,
decidindo com seu voto que o julgamento vai para as calendas, não haverá mais
justiça.
Precisa
ser mestre para fazer o que Celso de Mello fez: com uma mão agradou aos
cidadãos que clamam por justiça, com a outra afagou os poderosos, que só
sobrevivem com base na injustiça.
O
ministro Celso de Mello e o Supremo Tribunal Federal nos enganaram muito bem
com um excelente jogo duplo. São mestres na cena oblíqua de agradar ao mesmo
tempo aos vassalos integrantes da opinião pública e aos senhores do poder que
se banham nas águas cálidas da impunidade.
Esse
gesto do ministro Celso de Mello e do STF carrega o dom da ventriloquia, agrada
à plateia e aos donos do teatro ao mesmo tempo, dá uma martelada no prego e
outra na ferradura, magistral prestidigitação!
Eu,
veterano otário, por exemplo, saio realizado e contente com essa pantomima:
exultei com a falsa condenação dos poderosos.
E os
poderosos, logo em seguida, exultaram com a clemência da procrastinação
embromada e inocentatória dos embargos infringentes, no cerne absolutório.
Foram perfeitas a tragédia e a comédia engendradas e encenadas pelo veterano
ministro Celso de Mello e pelo STF.
Descansam
em paz os mensaleiros principais que não vão para a cadeia. Descansa em paz a
opinião pública que imaginou que se fez justiça ao serem condenados
interinamente os mensaleiros.
Só
não descansa em paz a Justiça como instituição, que fica com a fama de
continuar a não fazer justiça. Foram quase R$ 180 milhões que foram para os
bolsos dos mensaleiros, furtados da bolsa popular e que agora, num passe de
mágica, sumiram, não existiram, viraram pó.
Que
papel, ministro Celso de Mello!
Um
bufão de opereta clássica ou um ator dramático que representa Shakespeare não
fariam melhor. Que vitória do Grêmio ontem, Renato Portaluppi está adquirindo
sua maturidade como treinador.
Um
time que ganha fora é um time capacitado, e a audácia de Renato, escalando três
avantes, é responsável pela felicidade gremista deste momento.
30
de setembro de 2013 | N° 17569
KLEDIR
RAMIL
Ô, sorte
Minha
amiga Dani foi buscar a filha na escola e ficou sabendo que as aulas haviam
sido suspensas por conta de uma situação desagradável que havia acontecido.
Como estavam às vésperas do Dia do Pais, a atividade de classe para as
crianças, naquele dia, era recortar um pedaço de cartolina, fazer um cartão com
um desenho de próprio punho e escrever uma mensagem bonita. O problema começou
quando uma das meninas da sala perguntou para a professora como deveria fazer,
já que sua mãe é casada com outra mulher.
A
professora ficou atrapalhada e, sem saber como conduzir a conversa, retirou a
menina de sala e foi até a diretora, que coçou a cabeça e resolveu pedir a
ajuda da psicóloga. Conclusão: as mães da menina foram chamadas e, ao depararem
com aquele imbróglio humilhante, de inacreditável falta de tato, botaram a boca
no trombone e decidiram procurar outra escola para a filha. Com toda razão.
Minha
amiga aproveitou a oportunidade e, no caminho de volta para casa, abriu uma
conversa séria com a filha, tomando uma série de cuidados para não tropeçar nas
palavras.
–
Querida. Hoje em dia existem famílias diferentes, que não são assim como a
nossa, um pai e uma mãe. Algumas mães criam os filhos sozinhas, outras casam de
novo e as crianças ganham outros irmãos, filhos do novo pai. Às vezes, os pais
se separam e as crianças passam a viver em duas casas. Um pouco lá, um pouco
cá.
Seguiu
naquela ladainha, cheia de explicação, tentando conduzir um papo-cabeça e a
guria quieta, só escutando.
–
Então... Há situações em que o pai fica com a guarda dos filhos, ou a mãe, ou
os avós. E há outros modelos de casal, com outro tipo de relação afetiva,
quando o pai arranja um namorado, ou a mãe casa com uma outra mulher. É o caso
da tua amiguinha...
A
filha, que até então estava em silêncio, finalmente se manifestou. Arregalou os
olhos, abriu um enorme sorriso e gritou:
– Ô,
sorte. Já pensou? Duas mães e nenhum pai.
Meu
amigo Bob, marido de Dani, quando ficou sabendo do comentário da filha, entrou
em depressão profunda. Mas sobreviveu e já está melhorando. Tem recebido
acompanhamento psicológico e vem superando tudo com a ajuda de medicamentos.
30
de setembro de 2013 | N° 17569
L.
F. VERISSIMO
Sedução
(Da
série “Poesia numa hora destas?!”)
Esta sacada para o Gran Canal
esta
Lua de cartão-postal
(depois
de um pôr de sol do Tiepolo)
este
salão descomunal
e um
mordomo chamado Manolo...
As
lagostas do jantar
os
filés, o manjar
o
cheque sob o “rechaud”
as
frutas do meu pomar
e os
vinhos do meu “chateau”...
Um
final de fantasia
pavê
e ambrosia
junto
com um grande “apfelstrudel”.
E ao
fundo (covardia)
Miles
Davis no “flugel”...
Na
cama em forma de nau
ela
não pode conter um “uau”
de
sacudir o palazzo inteiro.
Não
sei se foi meu “know-how”
ou a
joia no travesseiro.
Pois
o chocolate suíço
os
pavões e o serviço
o
Rolls-Royce e este show...
Será
que ela liga pra isso
ou
me ama pelo que eu sou?
O
IMITADOR
“João,
imita cachorro”
dizia
a cruel Maria
dando
o pé pra ser lambido.
“Agora
imita cavalo”
e
virava no outro sentido.
“João,
imita tapete”
dizia
a cruel Maria quando o
queria
rasteiro.
Ou
“imita caixa automática”
quando
queria dinheiro.
E um
dia a cruel Maria
disse
“João, imita gente”
e
disse o João “imito quem?”
“Sei
lá, qualquer pessoa,
você
vai pensar em alguém”
E
João, o imitador, imitou
Jack,
o Extirpador.
OBSERVAÇÃO
ANTROPOLÓGICA
Se
agarram, rolam pelo chão, abraçados, e se beijam com fervor...
Ou
foi gol, ou é amor.
O
SEDUTOR MÉDIO
Vamos
juntar nossas rendas
e
expectativas de vida
querida,
o que me dizes?
Ter
2,3 filhos e ser meio felizes?
O
SEDUTOR INTELECTUAL
Eu
diria algo brilhante sobre
soutiens
com enchimento
Mas
não é o momento, não é o momento...
Te
contei que minha miopia regrediu?
Desculpe,
é nervosismo, viu?
Não vá,
espere, não desista de mim
eu
nunca desisti, não me deixe assim.
Daqui
a pouco, garanto, um outro se ergue, eu sou só a ponta de um iceberg.
domingo, 29 de setembro de 2013
FERREIRA
GULLAR
Punir é crime?
Para
nossos juízes, punir é coisa retrógrada, resquício de um tempo que a
modernidade superou
Evitei
me manifestar de imediato sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que
reconheceu a pertinência dos embargos infringentes.
Evitei,
primeiramente, porque, naquele momento, todo mundo tratou de dar sua opinião,
fosse contra ou a favor daquela decisão. Como não sou jurista nem pretendo ser
mais lúcido que os demais, preferi ler as entrevistas e artigos então
publicados, para melhor avaliar não só o acerto da decisão adotada pelo STF,
como as possíveis consequências que ela inevitavelmente provocaria no juízo da
opinião pública em face de tão importante julgamento.
Passada
a onda, a sensação que me ficou foi a mesma que, de maneira geral, a nossa
Justiça provoca nos cidadãos: a de que este é o país da impunidade. Trata-se de
uma sensação hoje tão disseminada na opinião pública que se tornou lugar-comum.
Apesar disso, diante desse novo fato que chocou a nação, me pergunto: de onde
vem isso? O que conduz a Justiça brasileira a inviabilizar as punições?
Não
pretendo ter a última palavra nessa questão, mas a impressão que tenho é de
que, para nossos juízes, punir é coisa retrógrada, resquício de um tempo que a
modernidade superou. Em suma, punir é atraso --e o Brasil, como se sabe, é um
país avançado, moderninho.
Não
foi por outro motivo, creio, que certa vez um advogado me disse o seguinte: quando
a sociedade condena alguém, quase sempre quer se vingar dele. Essa visão aqui
evocada levou um célebre advogado, dos mais prestigiados do país, a propor o
fim das prisões.
Pensei
que ele estivesse maluco mas, ao falar do assunto com um outro causídico, ouvi
dele, para minha surpresa, que aquela era uma questão a ser considerada
seriamente. Só falta meter na cadeia os homens de bem e entregar a chave a
Fernandinho Beira-Mar.
Seja
como for, a verdade é que há alguma coisa errada conosco. Punir não é vingança,
mas a medida necessária para fazer valer as normas sociais. Comparei, certa
vez, o ato de punir às decisões tomadas por um juiz de futebol. O jogo de
futebol, como todo jogo, só existe se se obedecem as normas que o regem: gol
com a mão não vale, chutar o adversário é falta e falta na área é pênalti. Se o
juiz ignora essas regras e não pune quem as transgride, torna a partida inviável
e será certamente vaiado pela torcida adversária. Pois bem, o convívio social,
como o jogo de futebol, exige a obediência às regras da sociedade.
Quem
rouba, mata ou trafica, por exemplo, está fora das regras, isto é, fora da lei --e
por isso tem que ser punido. Punir é condição essencial para tornar viável a
vida em sociedade. Se quem viola as normas sociais não é punido, os demais se
sentem à vontade para também violar aquelas normas.
É o
que, até certo ponto, já está acontecendo no Brasil, particularmente nos
diferentes setores da máquina pública, tanto no plano federal, como estadual e
municipal. E aí há os que praticam peculato como os que entopem os diferentes
setores do governo com a nomeação de parentes e aderentes, sem falar no
dinheiro que desviam para financiar o partido e, consequentemente, sua futura
campanha eleitoral.
Às
vezes os escândalos vêm à tona, a imprensa denuncia as falcatruas, processos são
abertos, mas só para constar, porque não dão em nada, já que, neste país avançado,
punir é atraso.
Mas
um ânimo novo ganhamos todos com o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal
Federal. Durante meses, todos assistimos pela televisão à exposição dos crimes
praticados contra a democracia brasileira e, finalmente, à condenação dos réus.
Enfim, ia se fazer justiça.
Mera
ilusão. Logo em seguida, passou-se a falar nos embargos declaratórios e nos
embargos infringentes. Veja bem, durante a vida inteira ouvi dizer que das
decisões do Supremo não cabem recursos.
Ainda
bem, pensava eu, pelo menos há um momento em que a condenação é irreversível. Sucede,
porém, que com a validação dos embargos infringentes, isso acabou. Nem mesmo as
decisões da Suprema Corte, agora, são para valer. Os beneficiados com os tais
embargos, que no dia daquela decisão eram 12, já se anuncia que serão 84. Isso,
por enquanto.
ELIANE CANTANHÊDE
A
volta dos que não foram
BRASÍLIA - O Brasil, que se vangloria, com boas razões, dos
avanços dos últimos 20, 30 anos, corre o risco de ter, simultaneamente, um
preso na Papuda com mandato de deputado, um presidente do Senado que foi
enxotado por denúncias e voltou ao cargo, três condenados pelo Supremo mantendo
o mandato e um governador que foi destituído, preso e, agora, é de novo
candidato.
O tal Natan Donadon foi parar na cadeia por ordem do Supremo
e manteve o mandato pelo voto dos colegas da Câmara. O presidente do Senado que
saiu e voltou é Renan Calheiros. Os condenados pelo Supremo com mandato, um ou
outro com assento na Comissão de Constituição e Justiça, todo mundo sabe quem são.
E quem é o governador do qual tratamos aqui? É o ex-governador
José Roberto Arruda, do Distrito Federal, flagrado com a boca na botija no
chamado "mensalão do DEM".
Arruda --que, no início, tinha tudo para dar certo-- já era
reincidente a essas alturas. Tinha se enlameado no Senado, teve a segunda
chance e afundou de vez no governo do DF.
Mas será que afundou de vez mesmo? Ele foi afastado do cargo
e preso na mesma Papuda que agora hospeda Donadon, mas acaba de ter as contas
do seu governo em 2008 aprovadas pela Câmara Distrital, enquanto a Justiça
empurra com a barriga, como faz em geral com poderosos.
Por isso, Arruda já emerge, põe o nariz de fora e fareja a
possibilidade de se filiar ao PR para concorrer a qualquer cargo em 2014. Pode?
Sei lá. Ele e o presidente do partido no DF acham que sim, alegando que, se
todo o mundo pode, por que ele não?
Por falar em "todo o mundo", a revista "Congresso
em Foco" acaba de concluir um levantamento mostrando que, de cada dez
parlamentares, quatro estão enrolados no Supremo Tribunal Federal --que é o
foro privilegiado (bota privilegiado nisso!) dos que têm mandato. São 224
deputados e senadores respondendo a 542 inquéritos e ações penais.
É desanimador...O mais afoito dos dois (aquele acusado de
acelerar) sugere descolarem a parte que engrouvinhou e colar de novo. O mais
cauteloso (o acusado de atrasar) discorda. O afoito, contudo, não quer nem
saber e puxa o papel: as bolhas e estrias somem, assim como uma faixa de 1,20 m
x 10 cm de tinta e massa corrida, arrancada pelo adesivo.
O afoito tenta colar de novo, mas o volume das cascas de
tinta e massa corrida fica evidente --parece um tapete estendido sobre a areia
da praia. Vocês olham a parede. Só 30 cm do primeiro rolo foi aplicado. Ainda
faltam 35,7 m. Vocês se olham. Estão juntos há seis anos. Pensavam em ter
filhos, em fazer pão em casa aos domingos, tomar banhos de banheira, visitar a
Pinacoteca e quem sabe até, um dia, forrar aquele quarto com um belo papel de
parede.
ANTONIO PRATA
Me
dê motivos
Quando um casal começa a colar papel de parede, o Diabo
senta em sua poltrona para assistir
Se você está bem com seu namorado, namorada, marido ou
esposa, se acha que encontrou sua cara-metade e que nada pode abalar vossa paz,
sugiro um teste: experimentem, juntos, forrar um quarto com papel de parede.
Caso, meia hora após o início das hostilidades, digo, das
atividades, ainda houver um vínculo afetivo entre os dois, pode crer: é amor de
verdade, desses capazes de perdurar na alegria e na tristeza, na saúde e na
doença, de sobreviver a shoppings em véspera de Natal e até --Deus lhes poupe--
ao nascimento de trigêmeos.
Colar papel de parede, em casal, lembra muito estar perdido
de carro, em casal: acusações mútuas, soluções antagônicas, ansiedade,
desespero. A diferença é que, ao se perder de carro, você fareja o perigo,
respira fundo e procura mentalmente as barras antipânico que os levarão para
longe da escaldante tensão conjugal.
Ao papel de parede, contudo, os amantes se entregam álacres,
ternos e tenros como as criancinhas ao mar no filme "Tubarão". Afinal,
trata-se de uma melhoria para a casa, um gesto em nome da beleza, um desses bucólicos
projetos dominicais que parecem trazer consigo a confirmação de nossa
felicidade, tipo fazer pão, tomar banho de banheira, ir à Pinacoteca. Como
desconfiar que a meiga estampa colorida é o forro da tumba em que será sepultado
o casamento?
Você se lembra da época não tão remota em que colávamos
adesivos no carro durante as eleições? Então deve se recordar que, por mais
cuidado que tomássemos, sempre ficava uma ou outra bolha de ar. Agora, imagine 18
rolos adesivos de 1,20 m x 2 m sendo aplicados a quatro mãos --é esse o tamanho
da encrenca.
Subindo em duas cadeiras, você e sua cara-metade colam a
pontinha do primeiro rolo, lá no alto. O desafio é os dois irem puxando o papel
vegetal por trás, desenrolando e colando o troço de cima pra baixo,
SIMULTANEAMENTE. Um milímetro que um lado (i.e., um cônjuge) vá mais rápido que
o outro, o papel engrouvinha --e, acredite, a não ser que vocês tenham feito
anos de nado sincronizado ou sido discípulos do sr. Miyagi, vai engrouvinhar.
Adiantando o lado retardatário, vocês tentam reparar o erro,
mas só piora: estrias diagonais surgem de ponta a ponta. Aí, começam as acusações.
Um diz que o outro foi lerdo, o outro diz que o um é que se apressou. (Toda
essa discussão, lembre-se, está sendo travada em cima de cadeiras e com as mãos
para cima, encostadas na parede.)
29/09/2013 - 01h45
PUBLICIDADE - RICARDO GALLO DE SÃO PAULO
Crise das companhias aéreas afeta conforto de passageiros
O cenário de prejuízos milionários e corte das despesas por
que passam as companhias aéreas atingiu agora o conforto dos passageiros. Para
poupar combustível, a TAM --líder de mercado no Brasil-- passou a desligar o ar
condicionado que refresca a cabine de passageiros quando o avião está no chão.
Cortar custo é 'lição de casa', afirma associação das aéreas.
O equipamento para de funcionar quando o avião deixa o gate (ponte de embarque)
e volta a ser ligado após a decolagem, o que pode demorar 15 minutos.
Quando o avião pousa, o ar é desligado de novo.
A Folha esteve em um voo da TAM há nove dias, entre
Congonhas (SP) e Santos Dumont (Rio): quando o ar para, a temperatura sobe e os
passageiros passam a mexer nos dutos do teto --pensando ter havido algo errado.
Ninguém da tripulação informa sobre o desligamento.
Em vigor há nove meses, a medida prevê que o avião fique
refrigerado por apenas um dos dois sistema de ar do avião. Mas só 25% do ar que
sai desse sistema refresca os passageiros, diz um piloto; o resto vai para a
cabine do piloto e do copiloto.
A economia parece pequena, mas é expressiva ao se ter em
conta os 800 voos diários da TAM. A empresa teve prejuízo de R$ 1,2 bilhão em 2012.
TEMPERATURA
Com o ar ligado, um avião se mantém com 23ºC. Ciente do
desconforto, a TAM manda a tripulação religar o ar se a temperatura chegar a 26ºC.
O conforto não é prejudicado, diz a companhia.
A Azul faz algo parecido, mas em menor proporção: desliga um
dos sistemas de ar, mas só com o avião parado no gate e com a porta aberta.
O ar não foi o único afetado. Em abril, a TAM retirou os
fornos dos aviões que atendem aos voos domésticos e nos internacionais de curta
duração. A comida é servida fria --o serviço de bordo mais enxuto é tendência
no setor.
Segundo a empresa, a opção por refeições "frias, leves
e saudáveis" foi tomada após pesquisas com clientes. Vice-líder de mercado
e também no vermelho (R$ 1,5 bi em 2012), a Gol, com 900 voos diários, não
mexeu no ar, mas cortou serviços.
Em junho, a empresa reduziu a água embarcada no banheiro em
voos curtos, como a ponte aérea. Em maio, extinguira o serviço de bordo
gratuito na maior parte dos voos --a água é de graça e o restante, vendido.
A empresa pagou neste ano bônus aos tripulantes por economia
de combustível. As medidas ocorrem em um cenário em que o combustível, atrelado
ao dólar, representa 40% dos gastos.
sábado, 28 de setembro de 2013
Leia a íntegra do discurso de
José Mujica na ONU
Presidente
uruguaio criticou o capitalismo e o individualismo em discurso que empolgou nas
Nações Unidas
Amigos,
sou do sul, venho do sul. Esquina do Atlântico e do Prata, meu país é uma
planície suave, temperada, uma história de portos, couros, charque, lãs e
carne. Houve décadas púrpuras, de lanças e cavalos, até que, por fim, no
arrancar do século 20, passou a ser vanguarda no social, no Estado, no Ensino.
Diria que a social-democracia foi inventada no Uruguai.
Durante
quase 50 anos, o mundo nos viu como uma espécie de Suíça. Na realidade, na
economia, fomos bastardos do império britânico e, quando ele sucumbiu, vivemos
o amargo mel do fim de mudanças funestas, e ficamos estancados, sentindo falta
do passado.
Quase
50 anos recordando o Maracanã, nossa façanha esportiva. Hoje, ressurgimos no
mundo globalizado, talvez aprendendo de nossa dor. Minha história pessoal, a de
um rapaz — porque, uma vez, fui um rapaz — que, como outros, quis mudar seu
tempo, seu mundo, o sonho de uma sociedade libertária e sem classes. Meus erros
são, em parte, filhos de meu tempo. Obviamente, os assumo, mas há vezes que
medito com nostalgia.
Quem
tivera a força de quando éramos capazes de abrigar tanta utopia! No entanto,
não olho para trás, porque o hoje real nasceu das cinzas férteis do ontem. Pelo
contrário, não vivo para cobrar contas ou para reverberar memórias.
Me
angustia, e como, o amanhã que não verei, e pelo qual me comprometo. Sim, é
possível um mundo com uma humanidade melhor, mas talvez, hoje, a primeira
tarefa seja cuidar da vida.
Mas
sou do sul e venho do sul, a esta Assembleia, carrego inequivocamente os
milhões de compatriotas pobres, nas cidades, nos desertos, nas selvas, nos
pampas, nas depressões da América Latina pátria de todos que está se formando.
Carrego
as culturas originais esmagadas, com os restos de colonialismo nas Malvinas,
com bloqueios inúteis a este jacaré sob o sol do Caribe que se chama Cuba.
Carrego as consequências da vigilância eletrônica, que não faz outra coisa que
não despertar desconfiança. Desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego
uma gigantesca dívida social, com a necessidade de defender a Amazônia, os
mares, nossos grandes rios na América.
Carrego
o dever de lutar por pátria para todos. Para que a Colômbia possa encontrar o
caminho da paz, e carrego o dever de lutar por tolerância, a tolerância é
necessária para com aqueles que são diferentes, e com os que temos diferenças e
discrepâncias. Não se precisa de tolerância com aqueles com quem estamos de
acordo.
A
tolerância é o fundamento de poder conviver em paz, e entendendo que, no mundo,
somos diferentes.
O
combate à economia suja, ao narcotráfico, ao roubo, à fraude e à corrupção,
pragas contemporâneas, procriadas por esse antivalor, esse que sustenta que
somos felizes se enriquecemos, seja como seja. Sacrificamos os velhos deuses
imateriais. Ocupamos o templo com o deus mercado, que nos organiza a economia,
a política, os hábitos, a vida e até nos financia em parcelas e cartões a
aparência de felicidade.
Parece
que nascemos apenas para consumir e consumir e, quando não podemos, nos
enchemos de frustração, pobreza e até autoexclusão.
O
certo, hoje, é que, para gastar e enterrar os detritos nisso que se chama pela
ciência de poeira de carbono, se aspirarmos nesta humanidade a consumir como um
americano médio, seriam imprescindíveis três planetas para poder viver.
Nossa
civilização montou um desafio mentiroso e, assim como vamos, não é possível
satisfazer esse sentido de esbanjamento que se deu à vida. Isso se massifica
como uma cultura de nossa época, sempre dirigida pela acumulação e pelo
mercado.
Prometemos
uma vida de esbanjamento, e, no fundo, constitui uma conta regressiva contra a
natureza, contra a humanidade no futuro. Civilização contra a simplicidade,
contra a sobriedade, contra todos os ciclos naturais.
O
pior: civilização contra a liberdade que supõe ter tempo para viver as relações
humanas, as únicas que transcendem: o amor, a amizade, aventura, solidariedade,
família.
Civilização
contra tempo livre que não é pago, que não se pode comprar, e que nos permite
contemplar e esquadrinhar o cenário da natureza.
Arrasamos
a selva, as selvas verdadeiras, e implantamos selvas anônimas de cimento.
Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com comprimidos, a solidão
com eletrônicos, porque somos felizes longe da convivência humana.
Cabe
se fazer esta pergunta, ouvimos da biologia que defende a vida pela vida, como
causa superior, e a suplantamos com o consumismo funcional à acumulação.
A
política, eterna mãe do acontecer humano, ficou limitada à economia e ao
mercado. De salto em salto, a política não pode mais que se perpetuar, e, como
tal, delegou o poder, e se entretém, aturdida, lutando pelo governo. Debochada
marcha de historieta humana, comprando e vendendo tudo, e inovando para poder
negociar de alguma forma o que é inegociável.
Há
marketing para tudo, para os cemitérios, os serviços fúnebres, as maternidades,
para pais, para mães, passando pelas secretárias, pelos automóveis e pelas
férias. Tudo, tudo é negócio.
Todavia,
as campanhas de marketing caem deliberadamente sobre as crianças, e sua
psicologia para influir sobre os adultos e ter, assim, um território assegurado
no futuro. Sobram provas de essas tecnologias bastante abomináveis que, por
vezes, conduzem a frustrações e mais.
O
homenzinho médio de nossas grandes cidades perambula entre os bancos e o tédio
rotineiro dos escritórios, às vezes temperados com ar condicionado. Sempre
sonha com as férias e com a liberdade, sempre sonha com pagar as contas, até
que, um dia, o coração para, e adeus. Haverá outro soldado abocanhado pelas
presas do mercado, assegurando a acumulação. A crise é a impotência, a
impotência da política, incapaz de entender que a humanidade não escapa nem
escapará do sentimento de nação. Sentimento que está quase incrustado em nosso
código genético.
Hoje
é tempo de começar a talhar para preparar um mundo sem fronteiras. A economia
globalizada não tem mais condução que o interesse privado, de muito poucos, e
cada Estado Nacional mira sua estabilidade continuísta, e hoje a grande tarefa
para nossos povos, em minha humilde visão, é o todo.
Como
se isto fosse pouco, o capitalismo produtivo, francamente produtivo, está meio
prisioneiro na caixa dos grandes bancos. No fundo, são o vértice do poder
mundial. Mais claro, cremos que o mundo requer a gritos regras globais que
respeitem os avanços da ciência, que abunda. Mas não é a ciência que governa o
mundo. Se precisa, por exemplo, uma larga agenda de definições, quantas horas
de trabalho e toda a terra, como convergem as moedas, como se financia a luta
global pela água e contra os desertos.
Como
se recicla e se pressiona contra o aquecimento global. Quais são os limites de
cada grande questão humana. Seria imperioso conseguir consenso planetário para
desatar a solidariedade com os mais oprimidos, castigar impositivamente o
esbanjamento e a especulação.
Mobilizar
as grandes economias não para criar descartáveis com obsolescência calculada,
mas bens úteis, sem fidelidade, para ajudar a levantar os pobres do mundo. Bens
úteis contra a pobreza mundial. Mil vezes mais rentável que fazer guerras.
Virar um neo-keynesianismo útil, de escala planetária, para abolir as vergonhas
mais flagrantes deste mundo.
Talvez
nosso mundo necessite menos de organismos mundiais, desses que organizam fórums
e conferências, que servem muito às cadeias hoteleiras e às companhias aéreas
e, no melhor dos casos, não reúne ninguém e transforma em decisões...
Precisamos
sim mascar muito o velho e o eterno da vida humana junto da ciência, essa
ciência que se empenha pela humanidade não para enriquecer; com eles, com os
homens de ciência da mão, primeiros conselheiros da humanidade, estabelecer
acordos para o mundo inteiro. Nem os Estados nacionais grandes, nem as
transnacionais e muito menos o sistema financeiro deveriam governar o mundo
humano.
Sim,
a alta política entrelaçada com a sabedoria científica, ali está a fonte. Essa
ciência que não apetece o lucro, mas que mira o por vir e nos diz coisas que
não escutamos. Quantos anos faz que nos disseram coisas que não entendemos?
Creio que se deve convocar a inteligência ao comando da nave acima da terra,
coisas assim e coisas que não posso desenvolver nos parecem impossíveis, mas
requeririam que o determinante fosse a vida, não a acumulação.
Obviamente,
não somos tão iludidos, nada disso acontecerá, nem coisas parecidas. Nos restam
muitos sacrifícios inúteis daqui para diante, muitos remendos de consciência
sem enfrentar as causas. Hoje, o mundo é incapaz de criar regras planetárias
para a globalização e isso é pela enfraquecimento da alta política, isso que se
ocupa de todo.
Por
último, vamos assistir ao refúgio de acordos mais ou menos
"reclamáveis", que vão plantear um comércio interno livre, mas que,
no fundo, terminarão construindo parapeitos protecionistas, supranacionais em
algumas regiões do planeta. A sua vez, crescerão ramos industriais importantes
e serviços, todos dedicados a salvar e a melhorar o meio ambiente. Assim vamos
nos consolar por um tempo, estaremos entretidos e, naturalmente, continuará a
parecer que a acumulação é boa, para a alegria do sistema financeiro.
Continuarão
as guerras e, portanto, os fanatismos, até que, talvez, a mesma natureza faça
um chamado à ordem e torne inviáveis nossas civilizações. Talvez nossa visão
seja demasiado crua, sem piedade, e vemos ao homem como uma criatura única, a
única que há acima da terra capaz de ir contra sua própria espécie.
Volto
a repetir, porque alguns chamam a crise ecológica do planeta de consequência do
triunfo avassalador da ambição humana. Esse é nosso triunfo e também nossa
derrota, porque temos impotência política de nos enquadrarmos em uma nova
época. E temos contribuído para sua construção sem nos dar conta.
Por
que digo isto? São dados, nada mais. O certo é que a população quadruplicou e o
PIB cresceu pelo menos vinte vezes no último século. Desde 1990,
aproximadamente a cada seis anos o comércio mundial duplica. Poderíamos seguir
anotando dados que estabelecem a marcha da globalização.
O
que está acontecendo conosco? Entramos em outra época aceleradamente, mas com
políticos, enfeites culturais, partidos e jovens, todos velhos ante a pavorosa
acumulação de mudanças que nem sequer podemos registrar. Não podemos manejar a
globalização porque nosso pensamento não é global. Não sabemos se é uma
limitação cultural ou se estamos chegano a nossos limites biológicos.
Nossa
época é portentosamente revolucionária como não conheceu a história da
humanidade. Mas não tem condução consciente, ou ao menos condução simplesmente
instintiva. Muito menos, todavia, condução política organizada, porque nem se
quer tivemos filosofia precursora ante a velocidade das mudanças que se
acumularam.
A
cobiça, tão negativa e tão motor da história, essa que impulsionou o progresso
material técnico e científico, que fez o que é nossa época e nosso tempo e um
fenomenal avanço em muitas frentes, paradoxalmente, essa mesma ferramenta, a
cobiça que nos impulsionou a domesticar a ciência e transformá-la em tecnologia
nos precipita a um abismo nebuloso.
A
uma história que não conhecemos, a uma época sem história, e estamos ficando
sem olhos nem inteligência coletiva para seguir colonizando e para continuar
nos transformando. Porque se há uma característica deste bichinho humano é a de
que é um conquistador antropológico.
Parece
que as coisas tomam autonomia e essas coisas subjugam os homens. De um lado a outro,
sobram ativos para vislumbrar tudo isso e para vislumbrar o rombo. Mas é
impossível para nós coletivizar decisões globais por esse todo. A cobiça
individual triunfou grandemente sobre a cobiça superior da espécie.
Aclaremos:
o que é "tudo", essa palavra simples, menos opinável e mais evidente?
Em nosso Ocidente, particularmente, porque daqui viemos, embora tenhamos vindo
do sul, as repúblicas que nasceram para afirmas que os homens são iguais, que
ninguém é mais que ninguém, que os governos deveriam representar o bem comum, a
justiça e a igualdade. Muitas vezes, as repúblicas se deformam e caem no
esquecimento da gente que anda pelas ruas, do povo comum.
Não
foram as repúblicas criadas para vegetar, mas ao contrário, para serem um grito
na história, para fazer funcionais as vidas dos próprios povos e, por tanto, as
repúblicas que devem às maiorias e devem lutar pela promoção das maiorias.
Seja
o que for, por reminiscências feudais que estão em nossa cultura, por classismo
dominador, talvez pela cultura consumista que rodeia a todos, as repúblicas
frequentemente em suas direções adotam um viver diário que exclui, que se
distância do homem da rua.
Esse
homem da rua deveria ser a causa central da luta política na vida das
repúblicas. Os governos republicanos deveriam se parecer cada vez mais com seus
respectivos povos na forma de viver e na forma de se comprometer com a vida.
A
verdade é que cultivamos arcaísmos feudais, cortesias consentidas, fazemos
diferenciações hierárquicas que, no fundo, amassam o que têm de melhor as
repúblicas: que ninguém é mais que ninguém. O jogo desse e de outros fatores
nos retém na pré-história. E, hoje, é impossível renunciar à guerra quando a
política fracassa. Assim, se estrangula a economia, esbanjamos recursos.
Ouçam
bem, queridos amigos: em cada minuto no mundo se gastam US$ 2 milhões em ações
militares nesta terra. Dois milhões de dólares por minuto em inteligência
militar!! Em investigação médica, de todas as enfermidades que avançaram
enormemente, cuja cura dá às pessoas uns anos a mais de vida, a investigação
cobre apenas a quinta parte da investigação militar.
Este
processo, do qual não podemos sair, é cego. Assegura ódio e fanatismo,
desconfiança, fonte de novas guerras e, isso também, esbanjamento de fortunas.
Eu sei que é muito fácil, poeticamente, autocriticarmo-nos pessoalmente. E
creio que seria uma inocência neste mundo plantear que há recursos para
economizar e gastar em outras coisas úteis. Isso seria possível, novamente, se
fôssemos capazes de exercitar acordos mundiais e prevenções mundiais de
políticas planetárias que nos garantissem a paz e que a dessem para os mais
fracos, garantia que não temos.
Aí
haveria enormes recursos para deslocar e solucionar as maiores vergonhas que
pairam sobre a Terra. Mas basta uma pergunta: nesta humanidade, hoje, onde se
iria sem a existência dessas garantias planetárias? Então cada qual esconde
armas de acordo com sua magnitude, e aqui estamos, porque não podemos
raciocinar como espécie, apenas como indivíduos.
As instituições
mundiais, particularmente hoje, vegetam à sombra consentida das dissidências
das grandes nações que, obviamente, querem reter sua cota de poder.
Bloqueiam
esta ONU que foi criada com uma esperança e como um sonho de paz para a
humanidade. Mas, pior ainda, desarraigam-na da democracia no sentido planetário
porque não somos iguais. Não podemos ser iguais nesse mundo onde há mais fortes
e mais fracos. Portanto, é uma democracia ferida e está cerceando a história de
um possível acordo mundial de paz, militante, combativo e verdadeiramente
existente. E, então, remendamos doenças ali onde há eclosão, tudo como agrada a
algumas das grandes potências. Os demais olham de longe. Não existimos.
Amigos,
creio que é muito difícil inventar uma força pior que nacionalismo chovinista
das grandes potências. A força é que liberta os fracos. O nacionalismo, tão pai
dos processos de descolonização, formidável para os fracos, se transforma em
uma ferramenta opressora nas mãos dos fortes e, nos últimos 200 anos, tivemos
exemplos disso por toda a parte.
A
ONU, nossa ONU, enlanguece, se burocratiza por falta de poder e de autonomia,
de reconhecimento e, sobretudo, de democracia para o mundo mais fraco que
constitui a maioria esmagadora do planeta. Mostro um pequeno exemplo,
pequenino. Nosso pequeno país tem, em termos absolutos, a maior quantidade de
soldados em missões de paz em todos os países da América Latina.
E
ali estamos, onde nos pedem que estejamos. Mas somos pequenos, fracos. Onde se
repartem os recursos e se tomam as decisões, não entramos nem para servir o
café. No mais profundo de nosso coração, existe um enorme anseio de ajudar para
que o homem saia da pré-história. Eu defino que o homem, enquanto viver em
clima de guerra, está na pré-história, apesar dos muitos artefatos que possa
construir.
Até
que o homem não saia dessa pré-história e arquive a guerra como recurso quando
a política fracassa, essa é a larga marcha e o desafio que temos daqui adiante.
E o dizemos com conhecimento de causa. Conhecemos a solidão da guerra.
No
entanto, esses sonhos, esses desafios que estão no horizonte implicam lutar por
uma agenda de acordos mundiais que comecem a governar nossa história e superar,
passo a passo, as ameaças à vida. A espécie como tal deveria ter um governo
para a humanidade que superasse o individualismo e primasse por recriar cabeças
políticas que acudam ao caminho da ciência, e não apenas aos interesses
imediatos que nos governam e nos afogam.
Paralelamente,
devemos entender que os indigentes do mundo não são da África ou da América
Latina, mas da humanidade toda, e esta deve, como tal, globalizada, empenhar-se
em seu desenvolvimento, para que possam viver com decência de maneira autônoma.
Os recursos necessários existem, estão neste depredador esbanjamento de nossa
civilização.
Há
poucos dias, fizeram na Califórnia, em um corpo de bombeiros, uma homenagem a
uma lâmpada elétrica que está acesa há cem anos. Cem anos que está acesa,
amigo! Quantos milhões de dólares nos tiraram dos bolsos fazendo deliberadamente
porcarias para que as pessoas comprem, comprem, comprem e comprem.
Mas
esta globalização de olhar para todo o planeta e para toda a vida significa uma
mudança cultural brutal. É o que nos requer a história. Toda a base material
mudou e cambaleou, e os homens, com nossa cultura, permanecem como se não
houvesse acontecido nada e, em vez de governarem a civilização, deixam que ela
nos governe.
Há
mais de 20 anos que discutimos a humilde taxa Tobin. Impossível aplicá-la no
tocante ao planeta. Todos os bancos do poder financeiro se irrompem feridos em
sua propriedade privada e sei lá quantas coisas mais. Mas isso é paradoxal.
Mas, com talento, com trabalho coletivo, com ciência, o homem, passo a passo, é
capaz de transformar o deserto em verde.
O
homem pode levar a agricultura ao mar. O homem pode criar vegetais que vivam na
água salgada. A força da humanidade se concentra no essencial. É
incomensurável. Ali estão as mais portentosas fontes de energia. O que sabemos
da fotossíntese? Quase nada. A energia no mundo sobra, se trabalharmos para
usá-la bem.
É
possível arrancar tranquilamente toda a indigência do planeta. É possível criar
estabilidade e será possível para as gerações vindouras, se conseguirem
raciocinar como espécie e não só como indivíduos, levar a vida à galáxia e
seguir com esse sonho conquistador que carregamos em nossa genética.
Mas,
para que todos esses sonhos sejam possíveis, precisamos governar a nos mesmos,
ou sucumbiremos porque não somos capazes de estar à altura da civilização em
que fomos desenvolvendo.
Este
é nosso dilema. Não nos entretenhamos apenas remendando consequências. Pensemos
na causa profundas, na civilização do esbanjamento, na civilização do usa-tira
que rouba tempo mal gasto de vida humana, esbanjando questões inúteis.
Pensem
que a vida humana é um milagre. Que estamos vivos por um milagre e nada vale
mais que a vida. E que nosso dever biológico, acima de todas as coisas, é
respeitar a vida e impulsioná-la, cuidá-la, procriá-la e entender que a espécie
é nosso "nós".
Obrigado.
Tradução:
Fernanda Grabauska
28
de setembro de 2013 | N° 17567
NILSON
SOUZA
O sol dos
guarda-chuvas
Tenho
uma dor infinita dos guarda-chuvas abandonados pelas calçadas da cidade. Toda
vez que nossa urbe incorpora Macondo, onde choveu durante quatro anos, onze
meses e dois dias, os restos mortais dessa família-morcego ficam espalhados
pelas ruas e praças, especialmente pelas paradas de ônibus – a roda dos
enjeitados da espécie envaretada.
Guarda-chuvas
são seres quase animados, alguns até se abrem por conta própria. Funcionam como
extensão do corpo, do braço humano. Servem de proteção, abrigo e companhia. Não
merecem o tratamento ingrato que muitas pessoas lhes dão. Basta uma varetinha
torta, uma ponta de pano solta e lá vai a bengala vestida para o brejo. Sem dó
nem piedade.
Sinceramente,
acho que os abandonadores deveriam ser punidos. Talvez possam ser enquadrados
na legislação que está sendo gestada para reprimir quem joga lixo na rua, com
os devidos agravantes para um objeto tão carente de afeto. Ou mesmo no Código
Penal, que tem um artigo específico para abandono de incapaz. Um guarda-chuva
destrambelhado é incapaz de se erguer sozinho, de abrir as suas asas e sair do
lugar em que foi jogado. Mesmo em dias de vento, o máximo que eles conseguem é
dar três ou quatro passos, antes de desabarem inertes sob o peso da haste em
forma de jota.
Culpa
dos fabricantes, argumentarão os infratores, alegando que a qualidade é tão
ruim, que os produtos se tornam descartáveis. Culpa dos chineses, dirão alguns
mais xenófobos, lembrando que quinquilharias oriundas da Ásia costumam se
desmanchar antes de serem usadas. Nada disso, porém, isenta o sujeito da
responsabilidade no abandono.
Em
compensação, ainda tem neste mundo quem se preocupe com os guarda-chuvas
extraviados. Além de remanescentes oficinas de conserto, cada vez mais raras,
de vez em quando aparece alguém mais criativo para dar sobrevida às sombrinhas
sequeladas.
Outro
dia, descobri que uma vizinha minha recolhe guarda-chuvas abandonados para
transformá-los em bolsas. Retira o pano pacientemente, recorta de acordo com os
seus moldes, costura e dá um formato elegante ao novo objeto, que voltará a
acompanhar algum dono pelas ruas. Achei a ideia tão boa, que até andei
recolhendo algumas peças extraviadas para presenteá-la.
Só
pelo prazer de imaginar que aqueles objetos descartados depois de enfrentarem
bravamente chuvas e tempestades para proteger seus donos voltarão a viver a
glória de um dia de sol, pois até na enfeitiçada Macondo ele voltou a brilhar.
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