06
de março de 2013 | N° 17363
MARTHA
MEDEIROS
O que é ser
mulher
Sempre
que chega essa época do ano, prometo a mim mesma: minhas próximas férias serão
tiradas em março. Vou alugar uma choupana em Ushuaia e só volto quando pararem
de falar no Dia da Mulher. Apenas para evitar a pergunta que tantos pedem que a
gente responda: “O que é ser mulher?”.
Basicamente,
ser mulher é ter nascido com os cromossomos XX. Será que isso responde à
questão? Responde, só que de modo desaforado. Espera-se que colaboremos: “Ser
mulher é ser mãe, esposa, profissional... ”. Alguém ainda aguenta essa
churumela?
Se é
para refletir sobre o assunto, então sejamos francos: ninguém mais sabe direito
o que é ser mulher. Sofremos uma descaracterização. Necessária, porém aflitiva.
Entramos no mercado de trabalho, passamos a ter liberdade sexual e deixamos
para ter filhos mais tarde, se calhar. Somos presidentes, diretoras,
empresárias, ministras. Sustentamos a casa. Escolhemos nossos carros. Viajamos
a serviço. Saímos à noite com as amigas. Praticamos boxe. O que é ser mulher,
nos perguntam. Pois, hoje, ser mulher é praticamente ser um homem.
Nossa
masculinização é um fato. Ok, nenhuma mulher desistirá de tudo o que
conquistou. A independência é um ganho real para nós, para nossa família e para
a sociedade. Saímos da sombra e passamos a existir de forma plena. E o mundo se
tornou mais heterogêneo e democrático, mais dinâmico e produtivo, em suma:
muito mais interessante. Mas não nos deram nada de mão beijada, ganhamos
posições no grito, falando grosso. E agora está difícil reconhecer nossa
própria voz.
“Sou
mais macho que muito homem” não é apenas o verso de uma música de Rita Lee, é
pensamento recorrente de cérebros femininos. Alguém ainda conhece uma mulher
reprimida, omissa, sem opinião, sem pulso? Foram extintas e deram lugar às
eloquentes.
Nada
de errado, repito. Acumulamos uma energia bivolt e isso tem nos trazido
inúmeros benefícios – deixamos de ser um simples acessório, nos integralizamos.
Mas essa nova mulher ainda se permitirá um segundinho de “cuida de mim”? Se os
homens estão se permitindo ser frágeis, por que não nos permitimos também, nós
que temos os royalties dessa condição?
É no
amor que a mulher recupera sua feminilidade. É na relação a dois. Na
autorização que dá a si mesma de se sentir cansada e de permitir que o outro
tome decisões e a surpreenda. É através do amor que voltamos a confiar
cegamente, a baixar a guarda e a deixar que nos seduzam – sem considerar isso
ofensivo. Muitas mulheres estão desistindo de investir num relacionamento por se
julgarem incapazes de jogar o jogo ancestral: eu, provedor; você, minha fêmea.
Os
homens sabem que já não iremos nos contentar em receber mesada e ficar em casa
guardando a ninhada, mas, na intimidade, que tal deixarmos a testosterona e o
estrogênio interpretarem seus papéis convencionais?
Um
amor sem tanta racionalidade, sem demarcação de território, sem guerra pelo
poder. Amolecer de vez em quando, com entrega, com gosto. É onde ainda podemos
ressuscitar a mulher que fomos, sem prejuízo à mulher que somos.
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