03 de março de 2013 | N°
17360
O CÓDIGO DAVID | DAVID
COIMBRA
O QUE REALMENTE UNE OS SERES
HUMANOS
Os Beatles e a batata frita
unificam a humanidade. Porque todo mundo gosta de Beatles e de batata frita,
todo mundo!, o que os torna, uns e outra, casos únicos. Alguém pode lembrar do
sexo.
Verdade, o sexo é muito popular,
ou não seríamos sete bilhões de bípedes respirantes sobre a superfície do
planeta, uma vez que há infartos, dengues, vírus insidiosos, bactérias
nefandas, infecções generalizadas, acidentes de carro, de moto, de navio e de
avião, afogamentos, pianos que caem do oitavo andar e, principalmente, outras
pessoas conspirando contra a nossa vida.
Há tudo isso, e continuamos nos
reproduzindo. Por quê? Por causa da boa imagem de que desfruta o sexo. No
entanto, afirmo: algumas pessoas NÃO GOSTAM de sexo. Ou não se importam com.
Mas todas, todas as pessoas gostam de Beatles e batata frita, até os esquimós,
os pigmeus e os norte-coreanos, se por ventura ouvirem os Beatles e trincharem
uma batatinha frita.
Pois nesse março que se inicia o
primeiro álbum dos Beatles, “Please Please Me”, completará meio século. São 50
anos redondos, mas o meu filho de cinco, quando coloco algo dos Beatles na
radio eletrola, ele cessa tudo o que está fazendo, estica o pescoço, ouve em
silêncio e depois comenta:
– Música bonita, papai. Bota de
novo?
Dom Quixote e 50
tons
Há quem diga que a chamada
“Grande Arte” não existe. Que é impossível fazer essa classificação. Uma das
provas seriam os romances noir, aquelas obras imortais de Raymond Chandler,
David Goodis, Ed McBain, Michael Connelly e Ross MacDonald, esses mestres,
entre outros. Pois os romances noir, logo que surgiram, eram considerados
subliteratura. Só que hoje foram promovidos à Grande Literatura, com G e L
maiúsculos. Assim, a classificação de algo como Grande Arte ou subarte, ou seja
o que for, seria impossível. Depende de gosto, do momento, da interpretação do
crítico.
Não concordo.
Tenho um critério para definir o
que se enquadra em Grande Arte: é o que fica. Quer dizer: independe do
contexto. Você pode se emocionar com a leitura de Dom Quixote agora, num
domingo ameno de março de 2013, e esse foi o primeiro romance escrito no
Ocidente, há mais de quatro séculos. Mas duvido que os 50 Tons de Cinza
arrepiem os cabelinhos das nucas das meninas de 2023, duvido mesmo.
Não se mede o que é Grande Arte
pelo sucesso, mas por sua universalidade e atemporalidade.
Meu filho adora os Beatles e os
filhos dele também vão adorar. Porém, na época, no começo, os contemporâneos
tinham dificuldades em ver a grandeza do que testemunhavam. A revista Newsweek
escreveu o seguinte sobre John, Paul, Ringo e George em 1964:
“Visualmente, são um pesadelo.
Ternos eduardianos apertados e cabelos em forma de tigela. Musicalmente, um
desastre: guitarras e bateria detonando uma batida impiedosa, que afugenta
ritmo, melodia e harmonia. As letras (pontuadas por gritos de ‘yeah, yeah,
yeah’) são uma catástrofe, um amontoado de sentimentos baseados em cartões do
dia dos namorados”.
Não é uma preciosidade de crítica
bem fundamentada? Estaria pronto a concordar com o jornalista, se não estivesse
a uma distância de cinco décadas, olhando tudo do alto e de longe.
Já o New York Daily News meteu-se
a fazer uma previsão:
“Bombardeada com problemas ao
redor do mundo, a população voltou seus olhos para quatro jovens britânicos com
cabelos ridículos. Em um mês, a América os terá esquecido e vai ter que se
preocupar novamente com Fidel Castro e Nikita Krushev”.
É difícil enxergar a Grande Arte
enquanto ela está acontecendo.
O QUE LER: Beatles - A
Biografia
Gostar dos Beatles todos mundo
gosta, mas se você AMA os Beatles, leia “Beatles - A Biografia”, de Bob Spitz.
O cara escreveu o que se chama de cartapácio sobre os rapazes de Liverpool:
quase um milheiro de páginas.
Bob Spitz é um jornalista
americano. Pesquisou a história dos Beatles por dois anos e meio e levou outros
cinco anos e meio para escrevê-la. Se você for bom em matemática, já calculou
que o livro levou oito anos para ficar pronto. Entre as mais de 500 obras sobre
o Fab Four, certamente é a mais completa. E bem escrita. Vale o esforço.
Como alcançar o crime
zero
Quando os Beatles se apresentaram
no programa de Ed Sulivan, em fevereiro de 1964, nenhum único crime foi
registrado nos Estados Unidos.
Nenhum!
Pelo menos é o que os americanos
divulgaram, na época. Será verdade? Será que todos os criminosos do Grande
Irmão do Norte estavam hipnotizados pelos Beatles durante aquele naco de tempo?
Acredito. Porque, afinal, todo mundo gosta dos Beatles, inclusive os
fora-da-lei.
Imagino que os americanos
estivessem comendo batata frita durante o programa do Ed Sulivan, eles adoram
french fries. Que momento da Humanidade. As duas preferências universais do
homem sendo exercidas ao mesmo tempo. Foram felizes os americanos daqueles
dias. Vou agora mesmo pegar umas fritas e ouvir Beatles.
O QUE OUVIR: Rua
Ramalhete
Não serei óbvio de indicar um
disco dos Beatles, mas vou sugerir que você ouça uma música que os cita: “Rua
Ramalhete”, do Tavito, cujo refrão pergunta: “Será que algum dia eles vêm aqui
cantar as canções que a gente quer ouvir?” Eles são os Beatles, claro, que
embalavam “os bailes no Clube da Esquina”, como diz a canção.
O curioso é que não havia bailes
no Clube da Esquina, já que o Clube da Esquina não era clube coisa nenhuma. Era
uma reunião de compositores e músicos mineiros, entre eles Milton Nascimento,
Beto Guedes, Lô Borges e Fernando Brant. As mães deles perguntavam por onde os
meninos andavam e a resposta era sempre a mesma: “Estão lá na esquina, cantando
e tocando violão”. Virou Clube da Esquina, disco e movimento musical. Bons
tempos da MPB.
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