sábado, 2 de março de 2013



03 de março de 2013 | N° 17360
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

O QUE REALMENTE UNE OS SERES HUMANOS

Os Beatles e a batata frita unificam a humanidade. Porque todo mundo gosta de Beatles e de batata frita, todo mundo!, o que os torna, uns e outra, casos únicos. Alguém pode lembrar do sexo.

Verdade, o sexo é muito popular, ou não seríamos sete bilhões de bípedes respirantes sobre a superfície do planeta, uma vez que há infartos, dengues, vírus insidiosos, bactérias nefandas, infecções generalizadas, acidentes de carro, de moto, de navio e de avião, afogamentos, pianos que caem do oitavo andar e, principalmente, outras pessoas conspirando contra a nossa vida.

Há tudo isso, e continuamos nos reproduzindo. Por quê? Por causa da boa imagem de que desfruta o sexo. No entanto, afirmo: algumas pessoas NÃO GOSTAM de sexo. Ou não se importam com. Mas todas, todas as pessoas gostam de Beatles e batata frita, até os esquimós, os pigmeus e os norte-coreanos, se por ventura ouvirem os Beatles e trincharem uma batatinha frita.

Pois nesse março que se inicia o primeiro álbum dos Beatles, “Please Please Me”, completará meio século. São 50 anos redondos, mas o meu filho de cinco, quando coloco algo dos Beatles na radio eletrola, ele cessa tudo o que está fazendo, estica o pescoço, ouve em silêncio e depois comenta:

– Música bonita, papai. Bota de novo?

Dom Quixote e 50 tons

Há quem diga que a chamada “Grande Arte” não existe. Que é impossível fazer essa classificação. Uma das provas seriam os romances noir, aquelas obras imortais de Raymond Chandler, David Goodis, Ed McBain, Michael Connelly e Ross MacDonald, esses mestres, entre outros. Pois os romances noir, logo que surgiram, eram considerados subliteratura. Só que hoje foram promovidos à Grande Literatura, com G e L maiúsculos. Assim, a classificação de algo como Grande Arte ou subarte, ou seja o que for, seria impossível. Depende de gosto, do momento, da interpretação do crítico.

Não concordo.

Tenho um critério para definir o que se enquadra em Grande Arte: é o que fica. Quer dizer: independe do contexto. Você pode se emocionar com a leitura de Dom Quixote agora, num domingo ameno de março de 2013, e esse foi o primeiro romance escrito no Ocidente, há mais de quatro séculos. Mas duvido que os 50 Tons de Cinza arrepiem os cabelinhos das nucas das meninas de 2023, duvido mesmo.

Não se mede o que é Grande Arte pelo sucesso, mas por sua universalidade e atemporalidade.

Meu filho adora os Beatles e os filhos dele também vão adorar. Porém, na época, no começo, os contemporâneos tinham dificuldades em ver a grandeza do que testemunhavam. A revista Newsweek escreveu o seguinte sobre John, Paul, Ringo e George em 1964:

“Visualmente, são um pesadelo. Ternos eduardianos apertados e cabelos em forma de tigela. Musicalmente, um desastre: guitarras e bateria detonando uma batida impiedosa, que afugenta ritmo, melodia e harmonia. As letras (pontuadas por gritos de ‘yeah, yeah, yeah’) são uma catástrofe, um amontoado de sentimentos baseados em cartões do dia dos namorados”.

Não é uma preciosidade de crítica bem fundamentada? Estaria pronto a concordar com o jornalista, se não estivesse a uma distância de cinco décadas, olhando tudo do alto e de longe.

Já o New York Daily News meteu-se a fazer uma previsão:

“Bombardeada com problemas ao redor do mundo, a população voltou seus olhos para quatro jovens britânicos com cabelos ridículos. Em um mês, a América os terá esquecido e vai ter que se preocupar novamente com Fidel Castro e Nikita Krushev”.

É difícil enxergar a Grande Arte enquanto ela está acontecendo.

O QUE LER: Beatles - A Biografia

Gostar dos Beatles todos mundo gosta, mas se você AMA os Beatles, leia “Beatles - A Biografia”, de Bob Spitz. O cara escreveu o que se chama de cartapácio sobre os rapazes de Liverpool: quase um milheiro de páginas.

Bob Spitz é um jornalista americano. Pesquisou a história dos Beatles por dois anos e meio e levou outros cinco anos e meio para escrevê-la. Se você for bom em matemática, já calculou que o livro levou oito anos para ficar pronto. Entre as mais de 500 obras sobre o Fab Four, certamente é a mais completa. E bem escrita. Vale o esforço.

Como alcançar o crime zero

Quando os Beatles se apresentaram no programa de Ed Sulivan, em fevereiro de 1964, nenhum único crime foi registrado nos Estados Unidos.

Nenhum!

Pelo menos é o que os americanos divulgaram, na época. Será verdade? Será que todos os criminosos do Grande Irmão do Norte estavam hipnotizados pelos Beatles durante aquele naco de tempo? Acredito. Porque, afinal, todo mundo gosta dos Beatles, inclusive os fora-da-lei.

Imagino que os americanos estivessem comendo batata frita durante o programa do Ed Sulivan, eles adoram french fries. Que momento da Humanidade. As duas preferências universais do homem sendo exercidas ao mesmo tempo. Foram felizes os americanos daqueles dias. Vou agora mesmo pegar umas fritas e ouvir Beatles.

O QUE OUVIR: Rua Ramalhete

Não serei óbvio de indicar um disco dos Beatles, mas vou sugerir que você ouça uma música que os cita: “Rua Ramalhete”, do Tavito, cujo refrão pergunta: “Será que algum dia eles vêm aqui cantar as canções que a gente quer ouvir?” Eles são os Beatles, claro, que embalavam “os bailes no Clube da Esquina”, como diz a canção.

O curioso é que não havia bailes no Clube da Esquina, já que o Clube da Esquina não era clube coisa nenhuma. Era uma reunião de compositores e músicos mineiros, entre eles Milton Nascimento, Beto Guedes, Lô Borges e Fernando Brant. As mães deles perguntavam por onde os meninos andavam e a resposta era sempre a mesma: “Estão lá na esquina, cantando e tocando violão”. Virou Clube da Esquina, disco e movimento musical. Bons tempos da MPB.

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