02 de março de 2013 | N°
17359
TEMPO REDESCOBERTO
1 – O Autor Sempre é cedo
Conheci Antônio Carlos Resende no
melhor lugar: seus livros. Eu já garimpava em livrarias, ainda na adolescência.
Foi na Sulina da Borges, atraído pelos títulos. O Rapaz que Suava Só do Lado
Direito. Magra, mas não Muito, as Pernas Sólidas: Morena. O Louva-a-Deus. Por
que me Olhas, Maria Carolina?.
O autor adiantava-se a García
Márquez, no cuidado da primeira frase. A força vinha estampada na capa. Um
achado para um jovem que tentava contos, poemas e empacava até no nome para dar
a eles. Depois, virava desculpa de não ir adiante. Eu aprendia que é difícil
viver e escrever. Mas fui adiante nos romances do Resende e pensei deles o que
sentia na vida:
1. Não convém evitar os amores.
2. Os amores são meio loucos.
3. Amores e livros precisam de
ritmo.
No ritmo da vida, conheci o
Resende pessoalmente bem depois. Fomos apresentados pelo Paulo Hecker Filho,
que o conhecia desde muito antes. Inevitável aquele frenesi que a Cláudia
Laitano descreve de quem depara com um escritor, fora das páginas.
Eu esperava um homem tímido e
encontrei um grande locutor. O Resende fala como se estivesse narrando uma
partida de futebol. Pode ser num bar, pedindo o adoçante.
Até hoje, costuma deixar mensagem
no meu aniversário. Sinto uma dor enorme quando tenho de apagá-la. É voz no
auge. Ele foi também um exímio narrador de futebol, dono de um dos “gooools”
mais longos da história do rádio. Narrador do som em si à letra impressa.
Completo.
Dos amigos, fica o amor das
histórias. A mais marcante até agora foi quando ele completou setenta anos. Eu
morava em Paris, e o Resende mandou uma carta. Há quinze anos, escrevia-se
carta. Ele contava que tinha se organizado para morar lá, durante seis meses.
Queria sentir o clima e escrever um novo livro. Sonhara a cidade, nas leituras
da juventude, mas a vida corrida só lhe concedera agora a oportunidade. “Estou
pronto”, escreveu, ao final do texto.
Não o assustavam um princípio de
enfisema e as sequelas de um antigo infarto. Seguia em busca da grande pegada.
Por seis meses, Paris tornava-se uma festa de amizade e letras. Mas, quando me
lembrei das agruras de estrangeiro, pensei que ele não fosse resistir.
Legalizar papéis, achar apartamento, lavar roupa, falar francês, fazer conexões
no metrô. Levar esporro em guichê. Contar francos. Propus-me a ajudá-lo, mas o
Resende recusou e se virou sozinho. Nem apelou para o Dionísio Toledo, seu
velho amigo, exilado na França desde o final dos anos 1960.
Não, não quis ajuda. Disse que
amigos servem para encontrar. Com a mulher, alugou um studio, em Saint-Denis,
perto dos drogados e das prostitutas. Quando ia visitá-lo, sentia-me em dívida
por não ter avisado. Ele nem aí, observava tudo, agradecido ao destino e
anotando cada detalhe para pôr no livro.
O Resende viveu e escreveu. Seis
meses, como um guri, maravilhado a cada descoberta da língua e dos costumes.
Ouviu música, viu museu, varou parques, leu originais. Não se encolheu ao
exílio e nem aos franceses. Com ele, vi um garçom baixar a cabeça pela primeira
vez. A Revolução Francesa os havia tornado confiantes com qualquer cliente;
ninguém era superior a ninguém por causa de dinheiro ou profissão.
O recente socialismo, dos anos
Miterrand, reativara a consciência do valor real de cada um. Mas o Resende não
se conformava com chope sem espuma. No café Zimmer, da Praça Chatelet, passou a
receita aos profissionais. O conceito teve mesmo de ser revisto. Depois, viajou
para Marselha, queria ver o porto. Na volta, maldisse o porto, mas elogiou o
progresso da turma. O Dionísio nem acreditava.
Amigo está junto, mesmo quando
distante. Não precisa ensinar, mas aprendi com ele que os amores podem ser
vividos. Podem também ser escritos, apesar de serem meio loucos. E não carece
muito pulmão ou pouca idade para realizar um sonho.
Graças ao Resende, fumo de vez em
quando. E tenho muitos planos para quando chegar aos setenta.
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