02 de março de 2013 | N°
17359
CLÁUDIA LAITANO
O direito de escolher
Se o destino dela dependesse
unicamente do quesito simpatia e da boa impressão causada na opinião pública, a
médica Virgínia Helena Soares de Souza já estaria condenada.
Nas fotos que têm ilustrado as
reportagens sobre as mortes na UTI do Hospital Evangélico de Curitiba, a médica
não parece exatamente a encarnação daquele tipo de pessoa que gostaríamos de
ver rondando a nossa cama no hospital – ou mesmo o nosso guarda-sol na beira da
praia.
O cabelo muito curto, a maquiagem
pesada nos olhos, a boca apertada e o olhar congelado de psicopata de novela
das oito contrastam notavelmente com as roupas joviais e coloridas (blusa azul,
saia laranja) – compondo a bizarra figura de uma madrasta má fantasiada de
Branca de Neve.
Para piorar, Virgínia tem sido
descrita como uma profissional detestada pelos colegas, e mesmo a família
admite que ela tem “personalidade forte”. Entre as acusações que pesam sobre a
médica, já apelidada de Doutora Morte, há monstruosidades como a interrupção do
tratamento de um paciente do SUS para permitir que um paciente de convênio
ocupasse o mesmo leito e a “precipitação” da morte do próprio marido – a quem
ela sucedeu na chefia da UTI do hospital.
Se tudo der certo, e a cota de
trapalhadas da investigação tiver se encerrado com a constrangedora transcrição
equivocada de um grampo telefônico (a polícia foi obrigada a reconhecer que
confundiu a palavra “raciocinar” com “assassinar” em uma gravação divulgada
para a imprensa), o destino da doutora Virgínia será definido pela Justiça e
não pelas aparências.
Seja ela culpada ou inocente,
vampira de Curitiba ou vítima da própria impopularidade, o certo é que o
episódio pode ter ajudado a confundir ainda mais o debate a respeito do direito
a uma morte digna.
Quem assistiu ao filme Amor, de
Michael Haneke, Oscar de filme estrangeiro deste ano, deve ter saído do cinema
se perguntando como agiria no lugar daquele homem que vê a mulher agonizando ao
seu lado. Até onde cada um de nós seria capaz de ir para poupar alguém do
sofrimento? E que tipo de comprometimento é legítimo exigir de alguém que
esteja ao nosso lado nesse tipo de situação?
A eutanásia é um tema talvez
ainda mais difícil de discutir do que o aborto. Se há apenas dois caminhos para
a vida, ser ou não ser, a jornada que se encerra com a morte em um hospital
pode ser assustadoramente rápida ou dolorosamente lenta. Pode depender da
disposição do paciente para testar até o último recurso médico e do tipo de
informação que se tem sobre a doença e os tratamentos.
Está circunscrita a condições
financeiras, apoio da família, empenho da equipe médica, convicções morais e
religiosas e mesmo traços de personalidade do paciente e dos seus familiares.
Fala-se em “eutanásia”, crime
previsto no Código Penal, quando a morte de um paciente terminal é provocada
por um determinado procedimento, com ou sem consentimento da família, em
“distanásia” quando a vida (e o sofrimento) são prolongados artificialmente mesmo
sem perspectiva de recuperação e em “ortotanásia” (a morte correta) quando a
doença fatal segue seu curso, sem intervenções inúteis.
Não é fácil determinar esses
limites e muito menos transformar em lei o direito que cada um deveria ter de
escolher as circunstâncias da própria despedida, mas essa é uma discussão que
ainda precisa ser feita no Brasil – com bom senso e sem prejulgamentos.
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