01
de novembro de 2012 | N° 17240
CELSO
GUTFREIND
Esperança na ponta da língua
O
livro chama-se Os Amores Impossíveis. Ítalo Calvino é o autor. Conta histórias
de amores em confronto com a realidade. As personagens caem no abismo entre o
que imaginam e o que podem. Amar não passa de um desejo. Como a língua
paralisada, no poema de Augusto dos Anjos. Uma ideia nasce com força de
sentimento. Difícil é acontecer. Mas sobrevive do jeito que dá.
Sigmund
Freud chegou à mesma conclusão. Escreveu livros sobre o encontro humano e
concordou com Sócrates: é preciso conhecer-se. Somos governados pelo mistério,
dentro de nós. Se a gente enfrenta, pode melhorar. Não leu o Calvino, mas fez
outras leituras. Praticou e perguntou: – Encarar a si mesmo? Não tem como.
Só não
paralisou a língua nem perdeu a ilusão. A cada instante, continuou fazendo o que
dava. Interessada no que ele fazia, uma leitora perguntou como poderia ser uma
mãe completa. Freud mandou dizer que era impossível. Olhava, novamente, para a
diferença entre o que se quer e o que se pode. Cuidar com perfeição de um bebê?
Seria como viver os amores do Calvino. Mas não deixou de ser pai de seis filhos
e de ajudar os outros a serem também. Do jeito que dava.
Freud
e Calvino olharam por dentro das pessoas. Mas, lá fora, as histórias não eram
muito diferentes. No Brasil, um operário desejou tornar-se presidente da República.
Não precisava ser Sófocles para dizer que não dava. Uma aliança aqui, uma
concessão ali, uma retomada de princípios para acabar um pouco melhor. E deu.
O médico
Salvador Célia ia aos subúrbios com meia dúzia de ideias e um amor à humanidade.
Como poderia um desnutrido sobreviver? Salvador duvidava de Calvino e de Freud.
Mantinha acesa a ilusão para não apagar o instante. Acreditava na psiquiatria pública,
artística, esportiva. Na palavra com empatia e na ação com ética. Não salvou
ninguém inteiramente, mas movimentou muita língua paralisada.
Parecem
contos de fadas, desses que começam com crianças prestes a serem abandonadas e
mortas. Depois, com muito esforço, a dura realidade se distrai, a morte se
retira, a vida acontece. E, no fim, dá certo. Pode não ser tudo o que
imaginamos lá no começo da ideia e do sentimento, como Calvino, Freud, Dos
Anjos. Mas não se entrega ao diabo e continua vivo.
Quando
o Verissimo entrou em férias, fui convidado para substituí-lo, nas quintas-feiras.
Impossível. Embalado por essas histórias, aceitei. Aqueci a ilusão e a esperança.
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