01
de junho de 2015 | N° 18180
DAVID
COIMBRA
O jardim de Helene
Aí vem
o sol, como cantou George. Por isso, resolvemos ir à praia. Tinha de, pelo
menos, molhar as canelas nas águas do Atlântico Norte. Tinha de!
Bem.
Indicaram-me um lugar a nordeste de Boston que, todos garantiram, é belíssimo: Rockport.
Consultei
nosso amigo Google Map, tracei o caminho e... vamos lá, molhar as canelas! O
Atlântico Norte nos espera! Chegar é fácil. Boas estradas, bem sinalizadas e
tudo mais. A cidadezinha, de fato, é linda. Um povoado de 7 mil habitantes, que
moram em casas de madeira parecendo casas de avós, de tão... mimosas. Sei que
esse não é um adjetivo usado no IAPI, mas as casinhas são exatamente isso,
mimosas.
Uma
das pontas da praia é chamada de Pele do Pescoço do Urso. É que, em 1700, os
colonos ingleses mataram um grande urso pardo que apareceu por lá. É o lado
mais bonito do lugarejo. Suas ruazinhas são margeadas por pequenas galerias de
arte, bares discretos, restaurantes de frutos do mar, sorveterias diversas e
lojas de roupas de verão. Num sebo, encontrei velhos gibis do Capitão Marvel e
um livro que conta histórias sangrentas e verdadeiras da Guerra Civil.
No século
19, uma gangue formada por 200 homens com a cabeça cheia de rum passou a noite
quebrando tudo que havia em Rockport. Desde então, o consumo de álcool foi
proibido na cidade, e proibido continuou até depois da abolição da Lei Seca,
nos anos 1930. Só permitiram a venda de bebidas alcoólicas em 1995, imagine! E
apenas em bares e restaurantes – lá não existem as lojas de bebidas que são
encontradas em todas as partes dos Estados Unidos.
Tive
vontade de tomar um drinque e brindar aos legisladores de 1995, mas me contive
no almoço, porque estava dirigindo. À tarde, por fim, fomos à praia
propriamente dita. À areia. “Vamos molhar nossas canelas desbotadas pelo
furioso inverno da Nova Inglaterra!”, gritei.
Certo.
Tirei os tênis, que estava de tênis. Caminhei com alguma dificuldade entre os
pedregulhos. Olhei para o mar muito limpo, sem ondas, como uma imensa piscina. E
afundei os tornozelos na água. Aí...JESUS CRISTO!
Nunca
havia sentido nada parecido. Trata-se, de longe, do pedaço de água mais gelado
que já toquei na minha vida. Meus tornozelos doíam, por Deus. Tentei ficar por
cerca de um minuto na água, só para dizer que havia molhado as canelas no Atlântico
Norte, mas foi impossível, minhas pernas iam gangrenar, sei lá. Saí apavorado
para a segurança da areia meio seca. Meu filho ria, e todos os demais praianos
riam também. Então percebi: não havia ninguém na água. Ninguém. E os gaúchos
falando mal da temperatura do mar de Capão!
Sequei
os pés, coloquei as meias e os tênis de volta e decidi me homiziar na tal Pele
do Pescoço do Urso. Andei a esmo por uma ruazinha lateral, feita de casas
coloridas. Numa delas, atraiu-me o pequeno jardim, uma nesga de terra não maior
do que um sofá, mas cuidada com evidente esmero. Fiquei admirando aquela mínima
obra realizada em parceria da natureza com a mão humana e, num canto, avistei
uma pequena placa do tamanho de um caderno escolar. Li o que estava escrito:
“Este
jardim é dedicado a minha mãe, Helene, que acreditava que as flores trazem
sorrisos a todas as faces”.
Naquele
momento, esqueci o gelado da água, o urso morto no século 18, as gangues de
homens bêbados e as mazelas do Brasil. Naquele momento, pensei que dona Helene
deve ter sido feliz vivendo naquela casinha mimosa, com seu filho carinhoso e
com suas belas flores. Cheguei a ver dona Helene em meio ao seu jardim,
respirei profundamente o aroma daquelas flores e, como ela acreditava que
aconteceria, sorri.
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