quinta-feira, 11 de junho de 2015



11 de junho de 2015 | N° 18190
DAVID COIMBRA

O fracasso da novela

Os atores da Globo andam soluçando pelo Projac, e o diretor Gilberto Braga revelou que está tomando medicamentos contra depressão, tudo porque a novela Babilônia é um fracasso rotundo. A pior audiência do horário na história, li em algum lugar. Índices quase tão baixos quanto os da popularidade do governo federal. Todos eles, atores e diretores, acusam o público pelo naufrágio da novela.
– O Brasil encaretou – reclamou Braga, entre dentes.

– Não vamos retroceder! – implorou o ator Bruno Gagliasso, entre lágrimas.

O diagnóstico deles é que as pessoas ficaram chocadas porque duas atrizes veteranas beijaram-se na boca no primeiro capítulo. Quer dizer: seria um repúdio do telespectador conservador ao relacionamento gay. Uma espécie de manifestação da homofobia nacional, alimentada por um suposto boicote dos evangélicos.

Eles estão errados.

A novela é um fracasso porque é ruim. Os autores da novela, em vez de usarem temas polêmicos para servirem à trama, usaram a trama para servir aos temas polêmicos.

Numa novela anterior, ocorreu um beijo gay no último capítulo. Todo o Brasil torcia pelo casal que se beijou. Velhinhas suspiravam ao ver os dois homens juntos. Por quê? Onde estava a homofobia nacional?

É que o relacionamento gay estava contextualizado. Fazia parte do enredo. O beijo foi a consequência, não a causa. Foi algo natural. Ninguém senta em frente à televisão, depois do trabalho, para experimentar as delícias da quebra de paradigmas. As pessoas sentam à frente da televisão para se divertir.

Outra coisa: as lideranças evangélicas fazem muito barulho, mas não têm tanta força. Não existe essa unidade evangélica que assusta algumas pessoas no Brasil. Nem nas igrejas, nem no Congresso, nem na sociedade. Os folhetins eletrônicos brasileiros, em especial os produzidos pela Globo, são algumas das mais bem-acabadas peças de dramaturgia da TV mundial, isso sei mesmo sem ser um apreciador de novelas. Mas essa das nove, não. Essa se perdeu na análise equivocada das causas de sucessos passados.

O beijo gay no primeiro capítulo tinha o motivo óbvio de produzir polêmica. “Ah, o beijo gay fez furor no último capítulo daquela novela? Vamos, então, colocar um beijo gay no primeiro capítulo desta, e o furor será ainda maior. Vamos chocar o Brasil!” Essa era a ideia, enquanto que a ideia tinha de ser: “Vamos contar uma boa história”.

Ao tomar conhecimento das lamúrias dos globais acerca da novela, fiquei curioso e me detive para assistir a alguns capítulos. Deparei com um em que os protagonistas negros travavam uma conversa acerca do racismo. Um diálogo artificial, deslocado da história, incrustado ali como um merchandising comportamental, exatamente para “combater” o racismo. Combati o bom combate, escreveu Paulo numa carta enviada no fim da vida. Combateu mesmo, mas com inteligência. Paulo transformou o cristianismo, de uma pequena seita judaica, na religião do Império Romano e na consciência do Ocidente. Como conseguiu isso? Agregando, jamais excluindo.


Quando você combate o bom combate achando que está mesmo numa guerra, conquista inimigos, não aliados. Ou age sem naturalidade, como os desastrados autores da novela das nove. Falta de naturalidade e excesso de agressividade apenas afastam as pessoas. Mesmo que a causa seja de amor e paz.

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