quinta-feira, 18 de junho de 2015



18 de junho de 2015 | N° 18198
CARLOS GERBASE

A ETERNIDADE TÉCNICA

Nietzsche dizia que os gregos inventaram seu extraordinário panteão de deuses para dar algum sentido a um mundo misterioso e contingente demais. O sol cruzando o céu era a carruagem de Apolo. O relâmpago era a terrível arma de Zeus. As tempestades marítimas eram sinais da ira de Poseidon. Pouco a pouco, a ciência substituiu a religião como o grande sistema humano para explicar o mundo. A racionalidade engoliu o mito, e a técnica estabeleceu sua supremacia sobre a poesia.

Um fato importante de nossas vidas, contudo, resistiu por mais de 25 séculos ao império da ciência: a morte. A ciência consegue dizer como um corpo biológico para de funcionar, mas não oferece uma boa resposta para a pergunta fundamental: o que acontece depois? E aí reaparecem, triunfantes, as respostas místicas. Os gregos iam para o Hades; os cristãos, para o céu (ou para o inferno); os muçulmanos, para um paraíso repleto de beldades. Muitos cientistas diziam que essas hipóteses não tinham base lógica e deveriam ser ignoradas. Mas, a seguir, em vez de dar a sua resposta, ficavam calados.

Não mais. A ciência e a técnica atacam o último bastião do pensamento metafísico. Outro dia, enquanto esperava a cerimônia de despedida de um amigo que seria cremado, apanhei em cima de uma mesa um folheto que descreve um novo serviço oferecido aos parentes do falecido. Cito textualmente: “O processo é muito simples. Uma pequena amostra do tecido do ente querido é extraída no momento da preparação do corpo. Esta amostra é purificada, processada e então enviada para o banco de genoma, onde ficará armazenada pelo período inicial de três anos, renováveis anualmente, por até 75 anos”.

Eis aí a eternidade técnica, que substitui, a preços módicos, a eternidade religiosa. Como todos sabemos, o DNA é um código digital que, se bem preservado, pode, num futuro não muito distante (com certeza menos de 75 anos), gerar uma cópia perfeita (geneticamente falando) da pessoa que morreu. Assim, o homem terá, de certo modo, vencido a morte. E não apenas o milionário, que gastou parte de sua fortuna para ser congelado. A eternidade técnica vem em suaves prestações, a cada três anos, acessíveis à classe média. Esse capitalismo é mesmo racional, inventivo e empreendedor. Que Deus!

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