sábado, 27 de junho de 2015



27 de junho de 2015 | N° 18207
CLÁUDIA LAITANO

A bolha

De onde surgiu o Cristiano Araújo? Do mesmo lugar de onde brotam dezenas, centenas de outros músicos dos quais você nunca ouviu falar também – a menos, é claro, que tenha dado uma espiada na lista das cem músicas mais tocadas nas rádios brasileiras em 2014. Ali, entre Jads e Jadsons, Thaemes e Thiagos, você pode descobrir que a música que fez mais sucesso no país no ano passado é de Marcos & Belutti e chama-se Domingo de Manhã.

Fica batizado, doravante, de “efeito Cristiano Araújo” esse súbito mal-estar causado pela comoção pública motivada pela morte de um artista do qual nunca ouvimos falar. O curioso fenômeno pode ser explicado pela conjunção de dois fatores: a mudança do mercado musical brasileiro, cada vez mais descentralizado e menos dependente de gravadoras e da televisão aberta, que cria a percepção de que os artistas são conhecidos nacionalmente, e as redes sociais, capazes de repercutir assuntos considerados de nicho (mesmo quando o “nicho” comporta milhões de pessoas).

Somos um país gigantesco formado por bolhas sociais e culturais isoladas e autossuficientes, ao mesmo tempo em que somos uma pequena aldeia virtual onde todos os falatórios ganham escala e repercussão, levando as diferentes bolhas a espantarem-se com a existência umas das outras de vez em quando. (Se João Gilberto morresse amanhã, não tenho dúvida de que as redes sociais seriam tomadas imediatamente por uma versão cult do “efeito Cristiano Araújo”.)

No Brasil de 2015, porém, não são apenas as bolhas culturais que andam se estranhando. Há bolhas sociais, religiosas, geográficas, políticas e até morais – todas, aparentemente, em guerras simultâneas e não excludentes. Talvez porque antes não houvesse tantos canais para expressar opiniões e visões de mundo diversas, talvez porque o confronto satisfaça algum tipo de necessidade íntima da nossa época – brigo, logo existo. O fato é que a percepção de que se está vencendo ou não os diferentes duelos em que nos envolvemos muitas vezes depende da bolha a partir da qual observamos o mundo.

Bolha 1: numa decisão histórica, a Suprema Corte dos Estados Unidos legalizou ontem o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o país. Os 13 Estados do país que ainda proibiam não podem mais barrar os casamentos entre homossexuais. Bolha 2: na quarta-feira, no Brasil, a Câmara dos Deputados promoveu uma bizarra audiência para ouvir “ex-gays” – onde um deputado disse que a homossexualidade era “modismo” e outro propôs uma bolsa-auxílio para quem mudasse de lado.

Parece muito claro para que lado a História está marchando, mas não deixa de ser constrangedor perceber que a bolha do atraso cresceu e apareceu no Congresso sem que a outra bolha se desse conta ou conseguisse reagir a tempo. Como cantava uma cantora que fazia sucesso muito antes de Cristiano Araújo nascer: “O Brasil não conhece o Brasil”.

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