28 de junho de 2015 | N° 18208
MARTHA MEDEIROS
Uma casa em frente ao mar
Nunca mais escrever uma única linha, basta, tempo esgotado,
já disse tudo o que tinha e o que não tinha para dizer, nada mais a acrescentar
Sabe aqueles dias em que você pensa o que ainda estou
fazendo aqui?
Sendo “aqui” uma cidade em que você corre o risco de ser
assaltada, em que mil festas, peças e lançamentos acontecem e você não consegue
participar de quase nada por falta de tempo ou cansaço, e em que você fica dia
e noite na internet conferindo as postagens de gente que mal conhece,
permitindo que a felicidade e a inteligência alheias minem aos poucos sua
autoestima, já que você, sendo bem franca, não é tão feliz, nem tão linda, nem
tão espirituosa, nem tão brilhante. Sabe aqueles dias?
Tenho tido uns dias assim. Em que me visualizo numa casa à beira-mar
com uma longa extensão de areia para minhas caminhadas, seguindo uma dieta
mediterrânea com peixes, azeites e tomates que muito me atraem, lendo
finalmente os livros que acumulei na esperança de que chegaria a hora deles,
cometendo alguns pecados capitais como a preguiça, a luxúria e a gula, passando
os dias ouvindo música, gastando pouco, vestindo quase nada, recebendo visitas
ocasionais, aprendendo a cozinhar, namorando um pescador, ah, essas fantasias
que nem mesmo originais são.
Por escrito, esse desapego soa como o Éden, mas vivenciado,
sabemos que nem sempre é tão fácil. Pessoas acostumadas a estarem plugadas na
tomada geralmente não suportam mais do que três dias de mansidão, o que dirá três
anos, o que dirá o resto da vida, esta que pode durar ainda umas três décadas.
O que fazer quando se está tão desinteressada do que se tem?
Hoje foi um dia em que me transportei para o clichê de todo
workaholic: adeus, estresse, vou abrir uma pousada – eu que nunca sonhei em ter
uma pousada. Sonho, neste instante, em não ter carro, não ter compromissos, não
ter agenda, não ter coisa alguma. Raspar minhas economias no banco e torrá-las
na manutenção de um cotidiano simplificado.
Nunca mais escrever uma única linha, basta, tempo esgotado,
já disse tudo o que tinha e o que não tinha para dizer, nada mais a acrescentar.
Agora, só leitura, só silêncio, só papo furado com o pescador. Segunda vez que
o pescador aparece nesta história, já estou apaixonada antes mesmo de conhecê-lo.
E à noite, olhar as estrelas, beber meu vinho e morrer de um
tédio bom. Quando a santa paz começasse a dar nos nervos, poderia voltar à urbe,
rever os amigos, pegar um cinema, renovar o estoque de livros, de queijos, de
frescuras e retornar correndo para a beira da praia, fazer um rabo de cavalo e
se sentir personagem de um filme – eu sempre enxergo esses ermitões de meia-idade
como charmosos personagens de um filme alternativo, de baixo orçamento e pouca
bilheteria.
Mas esse filme ainda não saiu do papel e amanhã é segunda-feira.
Acorda, dona Martha.
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