29 de junho de 2015 | N° 18209
L. F. VERISSIMO
Sobe e desce
Ascensorista é uma das profissões que desapareceram no mundo
moderno. Era certamente a mais tediosa das profissões, e não apenas porque o
ascensorista estava condenado a passar o dia ouvindo histórias pela metade,
anedotas sem desenlace, brigas sem resolução, só nacos e vislumbres da vida dos
passageiros.
Pode-se imaginar que muitos ascensoristas tenham tentado
combater o tédio variando a sua própria fala.
Dizendo “ascende” em vez de “sobe”, por exemplo.
Ou “eleva-se”. Ou “para cima”. “Para o alto.” “Escalando.”
Quando perguntassem “sobe ou desce?”, responderia “a
primeira alternativa”. Ou diria “descende”, “ruma para baixo”, “cai
controladamente”, e se justificaria, dizendo: “gosto de improvisar”.
Mas como toda arte tende para o excesso, o ascensorista
entediado chegaria fatalmente ao preciosismo. Quando perguntassem “sobe?”,
responderia “é o que veremos...”. Ou então, “como a Virgem Maria”.
Ou recorreria a trocadilhos: “Desce?” “Dei.”
Nem todo o mundo o compreenderia, mas alguns o instigariam.
Quando comentassem que devia ser uma chatice trabalhar em
elevador, ele não responderia “tem seus altos e baixos”, como esperavam. Responderia,
cripticamente, que era melhor do que trabalhar em escada.
Ou que não se importava, embora seu sonho fosse, um dia,
comandar alguma coisa que também andasse para os lados...
E quando ele perdesse o emprego porque substituíssem o
elevador antigo por um moderno, daqueles com música ambiental, diria:
“Era só me pedirem – eu também canto!”
Mas enquanto não o despedissem, continuaria inovando.
“Sobe?”“A ideia é essa.” “Desce?”
“Se ainda não revogaram a lei da gravidade, sim.”
“Sobe?”“Faremos o possível.”
“Desce?”“Pode acreditar.”
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