terça-feira, 9 de junho de 2015



09 de junho de 2015 | N° 18188
CARPINEJAR

Ela não é louca, você que não está apaixonado

Só a paixão absolve a loucura. Se não estiver apaixonado, não aceitará que a pessoa ligue 10 vezes ao dia, mande centenas de mensagens simultâneas no Facebook e no WhatsApp, pergunte onde você está e o que anda fazendo, que partilhe música favorita e fique angustiada até aparecer o aviso de que você ouviu.

Entenderá que ela está perseguindo, é uma doente, uma carente, uma histérica, não tem com o que se preocupar. Vai descartar o caso confiando que se livrou de uma roubada.

Mas, se estiver apaixonado, achará tudo adequado e preciso, que ninguém compreendeu sua rapidez antes, compreenderá a insistência como dedicação. Responderá as mensagens no mesmo instante, não deixará nada no vácuo, elogiará as afinidades, dedicará o pior do seu tempo para corresponder às expectativas, e ainda sofrerá de ansiedade diante de qualquer minuto de silêncio jurando que é o fim do relacionamento.

Somos todos loucos hoje em dia. Não há mais ninguém normal. Todos têm traumas, ou perderam um pai ou uma mãe, ou não se dão com a família, ou têm alguma crise de pânico ou um desajuste profissional. Saúde de verdade somente depois de morto, e ninguém voltou para se exibir, com exceção de Jesus, que retornou falando qualquer idioma – até a língua portuguesa – e muito melhor do que realmente estava.

Se você não admite o comportamento alheio, não tem nada a ver com a possível psicopatia do sujeito, é apenas porque não está apaixonado.

A paixão isenta a loucura. O apaixonado é um possuído, um abnegado, extravia a noção da realidade para apressar as fantasias. Não se interessa em conceituar o que é certo ou errado, mas em se aproximar cada vez mais, mesmo que seja necessário transgredir suas leis e hábitos. Não julgará, pois o julgamento é próprio da razão e do discernimento.

Uma festa será a melhor dança da vida. Uma conversa na cozinha será a melhor confissão da vida. Um cinema será o melhor encontro a dois da vida. O sexo no sofá será o mais íntimo da vida.

O banal será sublime. O pouco será muito. O recente será eterno. O apaixonado superfatura as vivências. Exagera. Extrapola. Transborda. Cobre seus olhos de tarja preta, não lê prontuários médicos, muito menos revisa o passado de sua companhia.

E, quando chegar o amor, após a paixão, não descobrirá o quanto seu par é realmente irritante e insuportável.

Conhecerá uma nova doideira. A doideira da intimidade e da paciência. A doideira dos defeitos e da imperfeição. A doideira da raiva e da desculpa. Não enxergará a implicância incorrigível do seu marido ou de sua esposa. Conhecerá em si um fôlego incansável para brigar e discutir noite adentro, e uma indisposição incomum para acordar na manhã seguinte e logo esquecer as diferenças e mágoas.


Só o amor perdoa a chatice.

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