20 de junho de 2015 | N° 18200O PRAZER DAS PALAVRAS |
Cláudio Moreno
Lanterninha
EXPRESSÃO USADA para atendente de cinema também é aplicada para último colocado em disputa esportiva
A página que mantenho na internet – sualingua.com.br – atraiu, nos seus quinze anos de existência, frequentadores espalhados pelo mundo inteiro. Volta e meia, um desses leitores distantes escreve para perguntar alguma coisa que não encontrou no site (ou “sítio”, ou “saite” – como quiserem); desta feita, a consulta vem de Brian W., de New Haven, Connecticut (não muito longe de Boston, onde está, neste momento, o amigo David Coimbra): “Professor, costumo traduzir para o Inglês uma newsletter de notícias brasileiras; na semana passada, tive trabalho com a palavra lanterninha, numa frase que dizia que o Brasil estava virando o lanterninha da educação na América Latina.
Pelo meu dicionário Português-Inglês, seria o usher, aquele moço que leva as pessoas até o assento no cinema. Achei que não combinava com o conteúdo da notícia; felizmente um amigo brasileiro me mostrou que neste texto quer dizer o último colocado. Você pode explicar por que essa palavra diz coisas tão diferentes?”.
Posso sim, caro Brian. Vamos por partes. Embora a palavra lanterna seja muito antiga no nosso idioma, o diminutivo lanterninha só passou a figurar como vocábulo autônomo – isto é, a significar algo além de “lanterna pequena” – a partir da primeira metade do séc. 20, quando o cinema, até então uma novidade, tornou-se a grande coqueluche do país inteiro. Com ele surgiu a figura, hoje praticamente extinta, daquele atendente que, na sala escura, auxiliava os espectadores a encontrar seus assentos, iluminando o caminho com curtos flashes de sua lanterna – por isso mesmo batizados de vaga-lumes ou lanterninhas (criada pelo mesmo processo que nos levou a chamar o auxiliar de arbitragem de bandeirinha e o lavador de automóvel de flanelinha).
Mais para o final do séc. 20 é que vai entrar em nossa língua o significado de “último colocado em uma disputa esportiva”, importado diretamente do jargão do ciclismo francês, que chamava de lanterne rouge o derradeiro colocado no Tour de France. Esta denominação se originou do regulamento ferroviário da França, que tornava obrigatória a presença de uma lanterna vermelha na traseira do último vagão de um comboio, servindo para assinalar em que sentido o trem estava se deslocando (como as luzes traseiras de nossos automóveis) e para permitir que os chefes de estação se certificassem de que nenhum vagão havia se desprendido da composição durante o trajeto.
A expressão ingressou no Espanhol (farolillo rojo, “farolzinho vermelho”) e no Italiano (fanalino di coda, “farolzinho de cauda”). Em Portugal é, literalmente, lanterna vermelha (“Campeão sofre para vencer no terreno do lanterna vermelha”); no Brasil, simplesmente lanterna ou lanterninha. É por isso que os dicionários, embora não costumem registrar os diminutivos comuns, precisam incluir esses diminutivos que adquiriram autonomia, como chorinho (“gênero de música”), casinha (“banheiro”), boquinha (“lanche rápido), inferninho (“boate suspeita”), folhinha (“calendário”), chapeuzinho (“acento circunflexo”), entre tantos outros.
*Cláudio Moreno, escritor e professor, escreve quinzenalmente aos sábados
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