26 de junho de 2015 | N° 18206
DAVID COIMBRA
Gaúchos e gaúchas de todas as querências!
Nico Fagundes tinha aquela cara de brabo. Andava sempre
pilchado por aí, dando a impressão de que, por qualquer olhar de través,
puxaria do rebenque e daria uma tunda no vivente temerário que o desafiara.
Mas que nada.
Nico era um doce de pessoa, sempre bem-humorado e brincalhão,
que nem guri em sanga. Entrava na Redação da Zero Hora fazendo alarde, troçando
com todo mundo, arrancando risadas pelo caminho.
Essa alegria ruidosa é típica do gaúcho, e Nico era o gaúcho
típico. Mais até: ele foi um dos construtores da imagem do gaúcho típico
espalhada pelo Brasil. Nico, mais um punhado de tradicionalistas e cantores
nativistas, mais o escritor Erico Verissimo e seu Capitão Rodrigo, esses foram
os personagens que inventaram o gaúcho.
“Até domingo que vem, gaúchos e gaúchas de todas as querências!”
Essa despedida, que Nico repetiu semanalmente durante mais
de 30 anos, no encerramento de cada Galpão Crioulo, é um símbolo do gauchismo. É
uma saudação calorosa, amistosa, franca, como tem de ser o gaúcho. Nós, gaúchos
de querências distantes, nos sentimos reconfortados só de ouvir um conterrâneo
nos saudar dessa forma. Nos sentimos mais... gaúchos, e gaúcho, no caso, não é um
gentílico, é um adjetivo. É ser bravo, reto, leal, amigável e feliz. Como era o
Nico.
Nico, com seu irmão Bagre, é autor do segundo hino do Rio
Grande, o Canto Alegretense. Só de ouvir o sobrinho do Nico, o Neto Fagundes, a
entoá-lo a garganta plena e peito inflado, só de ouvi-lo, confesso, me arrepio.
Ouve o canto gauchesco e brasileiro desta terra que eu amei desde guri! Ouvir o
Canto Alegretense faz a gente se sentir... gaúcho. Faz a gente se sentir um
pouco Nico Fagundes.
É bem bom se sentir um pouco Nico Fagundes, gaúchos e gaúchas
de todas as querências!
Nico e Cristiano
Nico morreu no mesmo dia da morte do cantor sertanejo
Cristiano Araújo. A imprensa brasileira deu vasto espaço à cobertura do velório
de Cristiano, mas, no leste do país, não eram muitos os que o conheciam. Eu
mesmo jamais tinha ouvido falar dele ou de suas músicas.
Nico é conhecido e amado em todo o sul do Brasil, mas
decerto que em Goiás, terra de Cristiano, poucos sabem quem ele é, e isso que
Nico foi mais do que um cantor; foi compositor, escritor, folclorista,
historiador e apresentador de TV.
Isso bem mostra que, se nós gaúchos não conhecemos muito do
Brasil, o Brasil também não conhece muito do que somos nós.
O Brasil não é um só, o Brasil são tantos. É um continente
com culturas diferentes, economias diferentes e hábitos diferentes, mas a mesma
lei que vale para o interior da selva do Acre vale para as coxilhas do
Alegrete, ainda que poucos, bem poucos, nas lonjuras do Acre, saibam onde fica
o Alegrete.
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