30 de junho de 2015 | N° 18210
DAVID COIMBRA
Zeca Camargo e Cristiano Araújo
Nós brasileiros gostamos de nos emocionar. Foi isso que o
Zeca Camargo disse num polêmico comentário de TV acerca da morte do cantor
sertanejo Cristiano Araújo. As implacáveis redes sociais estão sendo... bem,
implacáveis com o Zeca Camargo, porque ele teria desrespeitado o artista.
Não desrespeitou.
Embora o comentário tenha ficado um pouco confuso quando ele
comparou a comoção fácil à febre dos livros de colorir, Zeca Camargo acertou ao
observar que o brasileiro sente uma necessidade catártica de se despetalar em lágrimas.
Sente. E isso vem de longe.
Até a manhã de 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas era
visto como um corrupto que, muito provavelmente, sairia algemado do Palácio do
Catete. Um tiro de 32 no coração e uma carta-testamento febril de ufanismo o
transformaram em herói do povo oprimido. Os mesmos que, nos bares, o chamavam
de ladrão saíram às ruas em ira santa, atirando as máquinas de escrever dos
jornais de oposição pela janela e quebrando as vitrines de quaisquer empresas
que fossem vagamente associadas aos ianques exploradores.
Era uma morte trágica, perfeita para se prorromper em pranto
purificador. Foi assim também com Francisco Alves, que morreu carbonizado num
acidente na Via Dutra. Até os anos 1980, dizia-se que era impossível um povo
chorar mais do que havia chorado Getúlio e Chico Viola. Aí morreu Tancredo. Lembro-me
das cenas do caixão sendo transportado em carro de bombeiros pelas ruas, a
multidão correndo atrás, derretendo-se em suor e lágrimas, e as TVs executando
Coração de Estudante. Nossa, como o Brasil chorou! Era uma nação unida num só drama.
E, de fato, era de chorar. Tancredo seria o primeiro
presidente civil do Brasil depois de 21 anos de ditadura, depois do fracasso
das Diretas Já, depois da volta emocionante dos anistiados. Tamanha dor se
justificava. Como se justificou a de Senna, um ídolo colhido pela foice do
Ceifador em pleno exercício de sua atividade, um brasileiro vencedor, jovem,
bonito, que arrancava conquistas impossíveis das unhas da derrota certa.
Todos esses personagens eram importantes, e morreram de
mortes inesperadas. Natural que fossem chorados, como os Estados Unidos
choraram Kennedy e Martin Luther King, como os britânicos choraram Lady Di.
E aí paro: o funeral de Lady Di.
Recordo-me de Elton John entrando ereto na Abadia de
Westminster para cantar Candle in the Wind. “Você viveu sua vida como uma vela
ao vento, sem saber onde se agarrar”, cantava ele ao piano, e todos na abadia
ouviam em silêncio, e, lá fora, a multidão acompanhava por um telão, e a câmera
passeava pelos rostos, e eles... aqueles ingleses... eles não choravam. Ou,
pelo menos, não choravam como deviam chorar num momento tão comovente. Era um
choro contido, um choro de poucos, duas ou três lágrimas recolhidas por um
lencinho mínimo. Eu, olhando pela TV, pensava: como esses ingleses conseguem
ser tão fleumáticos, se eu, aqui, já sinto uma bola de emoção na garganta?
Uma boa morte nos toca. E, na falta de um morto imponente,
como uma princesa, um presidente ou um campeão, nos contentamos com os mortos
periféricos. No ano passado, o fim de Eduardo Campos quase o elegeu presidente
da República, representado por Marina.
Cristiano Araújo era um Eduardo Campos: muito conhecido
regionalmente, desconhecido nacionalmente. Zeca Camargo e outros tantos se
surpreenderam com a intensidade da dor dos que o prantearam. Mas era uma dor
legítima. Era a dor necessária do brasileiro, que, ao experimentar o grande
sentimento, seja com a grande paixão, seja com a grande tristeza, sente-se
grande, ele também.
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