quarta-feira, 10 de junho de 2015



10 de junho de 2015 | N° 18189
DAVID COIMBRA

O Cleo não usa guarda-chuva

Ouvi o Cleo Kuhn dizer na Gaúcha que não usa guarda-chuva. Fiquei chocado. O homem do tempo TEM que usar guarda-chuva. Porque nenhum outro objeto representa mais a suscetibilidade do ser humano às condições climáticas. Previsão do tempo é igual a: “Preciso ou não levar o guarda-chuva?”

Roupas podem servir apenas como adereço ou para a prática de esportes ou até para serem despidas. O guarda-chuva, não. O guarda-chuva, por belo, requintado ou valioso que seja, serve para proteger uma pessoa da chuva. Ponto.

Se bem que entendo um pouco o Cleo Kuhn. O guarda-chuva é muito coxinha. O guarda-chuva é o símbolo da cautela, e a cautela é o oposto da juventude. A juventude é imortal, desafiadora, arrogante, flexível. A juventude não se importa de se molhar. Ao contrário, se molha com gosto. Lá fora está chovendo, mas assim mesmo eu vou correndo, só pra ver o meu amor.

Confesso: tinha vergonha de sair com guarda-chuva. Pensava: a gripe ou a dignidade? Impossível manter uma imagem de rebeldia debaixo de um guarda-chuva ou, pior, com um pendurado no braço. Então, vezes sem conta saí sem guarda-chuva, e vezes sem conta me gripei.

Verdade, também, que o guarda-chuva tem sua parcela de culpa. O guarda-chuva é um objeto que exige exclusividade. Você pensa em qualquer outra coisa, ele some. Para onde vão os guarda-chuvas trânsfugas? De onde surgem os guarda-chuvas dos vendedores ambulantes de Porto Alegre, que, ao primeiro pingo, aparecem com um buquê deles, oferecendo cada um por R$ 5?

Alguém um dia responderá a essas prementes questões.

Já tive muitos guarda-chuvas e sempre me intriguei com seu plural. Guardas-chuva? Guardas-chuvas? De todas as chuvas ele me guardará.

Lembro-me de um em especial. Sei qual foi o ano exato em que o possuí e o dia exato em que dele me separei. Estávamos no meio de 1982. Fazia um inverno úmido em Porto Alegre. O Brasil disputava a Copa da Espanha e ia jogar no estádio do Sarriá. Era aquele time mágico de Falcão, Éder, Sócrates, Zico e Júnior. Saí da Livraria Sulina, onde trabalhava com meu amigo Sérgio Lüdtke, e fui ver a partida com meus velhos camaradas do IAPI, comendo pipoca, tomando quentão, que dava sorte. Tinha de voltar para o serviço no período da tarde.

Bem, você sabe o que aconteceu.

Paolo Rossi.

Paolo Rossi três vezes.

Foi um choque. Aquele time era campeão, tinha de ser. Meus amigos, duros bagaceiras do IAPI, não se contiveram. Choraram abraçados. Não abracei ninguém. Olhei para fora, e o tempo combinava com o que havia ocorrido do lado de lá do Atlântico: o céu enegrecera. Ia chover.

Peguei meu guarda-chuva. Saí. Tomei o lotação na Plínio e segui até o Centro. No trajeto, nenhum passageiro falou. Vi um menino de olhos vermelhos no banco ao lado e senti pena e meus olhos arderam, mas não chorei.

Quando desci do lotação, o céu desabou sobre minha cabeça. Chovia e ventava. Chovia e ventava tanto, que meu guarda-chuva virou do avesso meia dúzia de vezes, me deixando encharcado. Se quisesse chorar, podia. Ninguém saberia se era lágrima ou gota da chuva.

Continuei caminhando, lidando como podia com aquelas varetas, até que, a uma quadra da Sulina, me irritei e atirei o guarda-chuva no lixo, não sem antes insultá-lo:

– Paolo Rossi!

Cheguei à Sulina completamente ensopado. Entrei na sala, o Sérgio levantou a cabeça e, ao me ver naquele estado, perguntou:

– Não conhece guarda-chuva?

Ergui o queixo. Respondi, com orgulho:


– Não sou homem de usar guarda-chuva. Nem de chorar por jogo de futebol.

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