28 de junho de 2015 | N° 18208
ANTONIO PRATA
Alguém tem que tomar uma atitude
É inacreditável que no ano da graça de 2015, depois de
havermos tocado a face da lua e o fundo dos mares, a Nona de Beethoven e o
Marin pra correr, ainda não tenhamos encontrado uma maneira melhor de fechar
roupas de bebê do que estes 134 botõezinhos metálicos que serpenteiam da gola
ao dedão do pé, ora pela frente, ora por trás – ora pela frente E por trás –,
com traçados mais mirabolantes que os caminhos do Waze na hora do rush.
Quatro e dezessete da madrugada, o bebê urra, você aperta,
em vão, o 37º botãozinho do pijama. O botãozinho não fecha. Você inclina o
corpo para que a lanterna no seu sovaco ilumine melhor a cena – com o cuidado
de não jogar o facho nos olhos do seu filho, já por demais assoberbados diante
da sua trevosa incompetência – e, sob a luz tíbia das alcalinas insones, você descobre
que os dois botões são iguais. São dois botões com furinho. Onde está, então, o
botão com pininho?
Lembre-se, são 4h17min da madrugada. O bebê urra. Você não
está de férias. Você tem um emprego no qual costumava ser competente. Você tem
prazos que costumava cumprir. Você tem uma mulher com a qual costumava fazer
sexo. Você tem sonhos que costumava perseguir. Você não queria estar com uma
lanterna no sovaco, procurando, no escuro, um pininho metálico.
Mas você está, porque milhões de anos de seleção natural te
programaram para agir assim, porque seus genes falam mais alto – e mais alto
ainda falou sua mulher, meia hora atrás: “Eu também trabalho amanhã! Eu já fui às
onze e a uma e meia! Nem vem!”. Você acha, enfim, o botão com pininho. Está atachado
do outro lado da roupa, um botão acima, ou seja, todos os 36 botões anteriores
foram fechados errado, ou seja, você terá que voltar 36 casas neste complexo
jogo de tabuleiro chamado neném.
Eu me pergunto, enquanto vou abrindo os botões e fechando a
cara: o que houve com o velcro? Por que o velcro não trilhou o futuro brilhante
que, lá por 1983, imaginamos para ele? Lembro de, aos seis anos, festejá-lo
como um salto evolutivo irrevogável. Por que alguém se submeteria, depois dele,
ao suplício medieval de amarrar cadarços? O velcro substituiria não só os cordões
dos nossos tênis, mas os fechos das roupas, as alças das bolsas, os cintos de
segurança. O velcro, porém, não dominou o mundo. Foi como aquela mochila
voadora na abertura dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, uma falsa
esperança, de modo que aqui estamos, agora, penando pra fechar essa roupa,
andando com as próprias pernas.
Veja: eu tenho um celular que faz filmes. Uma máquina que
faz pão. Uma escova de dentes que parece uma nave do Star Trek. Em vários
momentos do meu dia, me sinto em 2074. Basta meus filhos fazerem cocô, porém, e
volto a 1352.
Eu apoiaria um deputado que levantasse a bandeira: “Por uma
revolução no vestuário neonatal! Por um choque de lógica no pijama de pezinho!”.
Não, um deputado, não, tem que ser um esforço internacional, tipo um Plano
Marshall, pois com o Congresso atual é capaz de a roupinha acabar sendo aprovada
com 1.786 botões (superfaturados), 11 cadarços, seis zíperes, uma cruz na gola
e, se bobear, umas algeminhas para os bebês que chorarem depois das oito. É duro,
meu filho, mas a verdade é essa, estamos abandonados à própria sorte: nós e os
nossos botões.
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