sábado, 20 de junho de 2015



21 de junho de 2015 | N° 18201
ANTONIO PRATA

Pelo telefone

O cara tá recostado sobre dois travesseiros, na cama de um quarto de hotel. Ao lado dele, no celular estrategicamente apoiado num terceiro travesseiro, uma oriental ruiva faz sexo com um time de futebol americano. O cara vai abrir a calça, mas se dá conta do absurdo e para. O absurdo não é a oriental ruiva com um time de futebol americano, é ele se masturbar olhando pra um telefone.

Enquanto a moça faz malabarismos na telinha de cristal líquido, ele se lembra da infância. Um telefone era uma geringonça que trazia ou levava a voz por uns furinhos e custava o mesmo que um Fusca. Morria uma tia, aparecia lá no inventário: um apartamento na Aclimação, uma chácara em Jandira, uma linha telefônica. Agora, uma linha sai por o quê? Vinte mensais? Ele não sabe e decide parar de pensar no assunto, pois sua cabeça já tá indo pra privatização das teles e o que ele menos queria quando apoiou o celular no travesseiro era visualizar o rosto do Sérgio Motta.

Ele tira a calça, resolve mudar de filme e volta pro menu do site. Uma gordinha com macacão de detenta fazendo um boquete num loiro vestido de guarda. Um senhor branco com uma jovem indiana. Um jovem negro com uma senhora bronzeada. Um caminhoneiro com duas cheer-leaders. Doze cheer-leaders sem nenhum caminhoneiro. Uma suruba carnavalesca dos anos oitenta. Mãe e filha amarrando um entregador de pizza a uma cadeira.

O cara abre o menu por categorias, hesita entre POV (ponto de vista), Gang Bang (muitos homens com uma mulher), Amateur (vídeos amadores – ou vídeos profissionais imitando vídeos amadores) e Wild & Crazy, onde encontra um homem fantasiado de panda sodomizando uma garota vestida de índia Apache.

Diante da miríade de opções, ele se distrai de novo, lembrando da sua adolescência. Quando vê, está dando uma bronca imaginária num moleque de 15 anos que ele nunca viu. “Cê não tem direito de reclamar da vida, moleque! Se você quer ver mulher pelada, hoje, basta tirar o telefone do bolso! No meio da aula! No ponto de ônibus! Esperando chamarem tua senha na fila do cartório! Filmes hétero! Filmes gays! Pandas com índias Apache!

Você sabe a dificuldade que era arrumar uma mísera revistinha de sacanagem no meu tempo?! Tinha que ter coragem de ir lá na banca! E o dono da banca conhecia a nossa mãe, a nossa irmã, a nossa avó! Era Playboy e olhe lá! Às vezes, a gente tinha que se virar com uma Boa Forma, mesmo! Teve umas férias na praia em que eu passei uma semana inteirinha com uma Casa Cláudia, só porque, numa matéria sobre saunas, aparecia uma mulher de maiô! De maiô! Na Casa Cláudia, moleque! E você ainda vem reclamar da vida?! Hein?!”


Quem seria aquele moleque, por que o moleque reclamava da vida e o que o cara tinha a ver com isso, jamais saberá. Mesmo porque o telefone toca sobre o travesseiro e o pessoal avisa que já tá no lobby. Ele se veste correndo, desce e em 15 minutos está na sala de conferências, apresentando um Datashow sobre mudanças na logística de transporte de perecíveis para 36 funcionários da rede de supermercados na qual ele é subgerente regional de distribuição. Só voltará pro quarto nove horas mais tarde, bêbado, cairá na cama sem tirar a roupa e sonhará com o Sérgio Motta, vestido de índia apache.

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